Extra, Estado, Sociedade e a orientação para matar negros

O assassinato do jovem negro Pedro Gonzaga, 19 anos, pelo agente de segurança privada Davi Ricardo Moreira Amancio, a serviço do supermercado Extra, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, é amostra da orientação e autorização para se matar negros, característica fundante da sociedade brasileira.

Por Douglas Belchior no NegroBelchior

Faixa com os dizeres: "Não Consigo respirar" pendurada no viaduto do chá em São Paulo
Não consigo respirar – Imagem: JYimgens

A orientação/autorização para matar negros continua em vigor e mais efetiva que nunca no Brasil. Esta orientação/autorização está presente nas telas de TV, nos programas policiais e na indústria do entretenimento. Está presente na oração do religioso conservador, nas decisões dos juízes, na promessa de campanha, nos projetos de leis de parlamentares e ministros, nas palavras do presidente e na prática dos governos. Esta orientação/autorização se realiza de maneira implícita no desemprego, nas desigualdades sociais, na falta de moradia digna, no sistema de saúde e educação falidos, na precária aposentaria e, de maneira mais explícita, na prática habitual das polícias, dos seus primos pobres da segurança privada e nos seus primos ricos das milícias. Mas, o mais triste é que esta orientação/autorização está em nós também, na sociedade como um todo, capaz de chorar mais a morte de um cachorro do que se revoltar com o assassinato brutal de um garoto negro como Pedro Gonzaga. Vídeos mostram que, ao contrário do que foi alegado pelo assassino, o garoto Pedro não tentou retirar a arma do segurança. É impossível imaginar que o agente teria a mesma conduta se o “suspeito” fosse um garoto branco de olhos azuis. Pessoas presentes no momento da agressão pediram que o soltasse. Pedro estava imobilizado, não representava risco algum. Mas porque Davi – o segurança, não o soltou? Ora, porque se sentia ali autorizado/orientado, em última instância, a matar. Não havia nada em sua cabeça ou naquele ambiente que pudesse impor algum constrangimento ou impedimento, afinal, ele estava abordando um jovem negro, previamente suspeito e perigoso.

À esta orientação/autorização para matar negros, chamamos genocídio.

Os assassinos de Pedro Gonzaga são o agente de segurança e a empresa EXTRA. Ambos devem ser punidos. E a indenização à família, gorda, embora a vida não retorne.

E ao Estado? Qual a sua responsabilidade? E à nós, povo e sociedade? Qual a nossa responsabilidade? Aceitaremos até quando? Até quando vai a nossa paciência?

Não há outro caminho se não o da organização política do povo negro, pobre, periférico, favelado, ribeirinho, campesino, indígena e quilombola. Só a partir do protagonismo destes setores e sua radicalidade intrínseca, apoiado por brancos e setores médios que reivindicam o anti racismo, seremos capazes de enfrentar e superar o genocídio negro.

Em SP, o movimento negro e periférico sempre se dispôs à este exercício. Parte importante destes seguimentos realizam, na próxima semana, um seminário com a presença de lideranças e ativistas para refletir e pensar formas de organização, mobilização e ação.

Lutar pela memória dos nossos mortos, por justiça, por reparação histórica e pelo fim do genocídio que nos mata todos os dias é tarefa de todas e todos que lutam por um futuro em que nossos filhos não sejam EXTRAngulados num mercado qualquer.

 

#BoicoteAoEXTRA
#VidasNegrasImporta
#ParemDeNosMatar
#BlackLivesMatter
#ACarneMaisBarataDoMercado
#UneafroResiste

+ sobre o tema

Kabengele Munanga: A difícil tarefa de definir quem é negro no Brasil

Fonte: Eu, um Negro PARA O ANTROPÓLOGO Kabengele Munanga, professor-titular...

Racismo no Galeto Sat’s Rio de Janeiro

Jaziel Menezes de Oliveira – Empresário O relato abaixo...

Manifesto Luto em Luta por João Pedro

Manifesto Luto em luta por João Pedro e todas...

15 comentários que uma mulher com o cabelo crespo sempre ouve

Quando paramos de usar relaxantes químicos e chapinhas para alisar o nosso cabelo...

para lembrar

Cotas raciais, racismo ou necessidade?

Programa cria uma discriminação entre os cidadãos brasileiros, ofendendo...

Mãe de menino que teve rosto tatuado em corpo de estranho sofre ataques racistas nas redes

A microempresária Preta Lagbara, mãe do menino Ayo, de 4...
spot_imgspot_img

Luciana Barreto denuncia ataques racistas em delegacia especializada

A jornalista Luciana Barreto, apresentadora do telejornal Repórter Brasil Tarde, da TV Brasil, denunciou à Delegacia de Crimes Raciais e Delitos de Intolerância (Decradi)...

Arquiteto negro 1º colocado geral no BNDES defende cota em concursos

O arquiteto Tiago Coutinho da Silva foi surpreendido no último dia 21 de março enquanto assistia à cerimônia de lançamento do edital do Banco Nacional de Desenvolvimento...

Democracia é incompatível com o racismo

O fortalecimento do sistema democrático implica necessariamente na representação e na defesa dos interesses do povo. Com base nessa premissa, a conclusão de que democracia e racismo são...
-+=