Levei algum tempo para escolher por me manifestar. Desde meu mestrado, muitos anos atrás, nunca deixei de me manifestar sobre o tema do racismo. Eu, assim como pesquisadores, ativistas, professores, professoras, cidadãos e cidadãs que assumiram o trabalho árduo de serem antirracistas, estamos o tempo todo nos manifestando, explicando, informando, pesquisando, escrevendo, produzindo evidências, formando, educando, sugerindo e implementando ações de combate ao racismo e às opressões que estruturam o Brasil.
Por vezes, um cansaço nos alcança e foi o que eu senti ao ver, às vésperas do Dia da Consciência Negra de 2020, mais uma imagem da tão frequente e cotidiana violência contra pessoas negras que terminam em linchamento/homicídio/assassinato a sangue frio. Uma nova evidência gritante daquilo que, sistematicamente, temos apontado e nomeado como racismo estrutural, necropolítica, genocídio.
A primeira coisa que me ocorreu diante das imagens da morte de João Alberto Silveira Freitas, no Carrefour de Porto Alegre, foi pensar na tristeza e no desalento que uma família negra teria que enfrentar para explicar, mais uma vez, para suas crianças, o motivo de tamanha brutalidade. O empenho para, mais uma vez, convencer suas crianças a acordarem no dia seguinte e estudar; a não serem violentas; a estimularem suas crianças a contribuir com o país e com a democracia; a pedirem para que elas acreditem e se esforcem para serem “pessoas de bem”. A única coisa que me ocorreu foi pensar no enorme trabalho que essas mães e pais, tias e tios, avós e avôs negros teriam para estimular suas crianças e adolescentes, para aplacar a dor e o medo deles diante de cenas e vivências de tamanha violência. A enorme energia que teriam que investir para tentar preservar suas crianças de um mundo que destrói o direito delas à infância. Preservarem suas crianças da dor que eles próprios sentiam, preservá-las do medo que eles e elas próprias têm. O quanto isso é cruel, o quanto é injusto impor tamanha carga emocional às pessoas; além do trabalho de sobreviver, viver, trabalhar, estudar em um ambiente que lhes é hostil e que os discrimina, viola e mata.
Durante horas vendo as imagens, reportagens e manifestações sobre o tema, senti um enorme desânimo, mas, também, solidariedade para com outras mães que, como eu, tiveram e teriam que lidar com a dor de seus filhos e filhas para que eles não desanimassem ao verem o desprezo e a falta de empatia para com as pessoas negras, no Brasil.
Depois disso, comecei a me perguntar: “como será que as famílias não negras explicam para suas crianças o que está ocorrendo? Como uma família não negra explica para suas crianças a violência que mata, segrega, humilha, mutila e destrói famílias e pessoas negras? Será que consideram o impacto disso tudo na formação de suas crianças e jovens?”
Saindo da esfera individual, pensei no social. Que tipo de pessoas estamos formando quando nos silenciamos e nos omitimos diante desse tipo de violência? Óbvio que lembrei do texto “A Educação após Auschwitz” e no porquê aprendemos tão pouco sobre racismo. Também me lembrei da citação de trechos dos discursos de Martin Luther King e Malcom X que ilustram o final do filme de Spike Lee: “Do the right thing!” E, não podia deixar de pensar nas sábias palavras de Audre Lorde. Quais ferramentas usar para destruir o racismo?
Então, recordei de um exercício que, no começo de minha carreira, realizava com estudantes após a exibição do documentário “Olhos Azuis”, de Jane Elliot. Perguntava: “Você gostaria que o que ocorre com as pessoas negras, no Brasil, também ocorresse com você ou com seus entes amados?
As respostas variaram de argumentos explicitamente racistas até manifestações de indignação e desejo de transformar o mundo em um lugar no qual houvesse justiça para todas as pessoas, direitos realmente iguais, dignidade e qualidade de vida. Ou seja, variavam do ódio e do desprezo à empatia e à solidariedade.
Nesse momento de minha reflexão, saí do desalento e do cansaço e resolvi escrever este texto.
O texto não focaliza o que já faço em meus espaços de atuação como docente e pesquisadora. Também, não se volta para quem, como eu, já se encontra na luta antirracista. Escrevo para pessoas que querem contribuir para a transformação e que se inquietem; para as pessoas que já desenvolveram a sensibilidade, o olhar crítico, que reconhecem a existência do racismo que assola o Brasil e se indignam com a violência praticada, desde o começo da história desse país, contra as pessoas negras e indígenas. Pessoas, que, apesar de tudo isso, ainda não conseguiram encontrar o caminho para se manifestarem. É para vocês que eu dirijo essa mensagem. Para vocês eu digo: façam a coisa certa!Se você discorda do que está ocorrendo, então faça a coisa certa!
- Faça a coisa certa educando suas crianças para que não sejam racistas!
- Faça a coisa certa contratando pessoas negras, ampliando a diversidade em suas empresas e criando grupos de gestão da diversidade!
- Faça a coisa certa discutindo o tema do racismo, da violência e da opressão estrutural nas escolas, colégios, universidades e centro de formação de crianças e jovens!
- Faça a coisa certa educando para que crianças e jovens não se tornem opressores!
- Faça a coisa certa ensinando a enxergar a diversidade como um valor que alicerça as democracias!
- Faça a coisa certa compondo equipes de pesquisa, em centros, núcleos e grupos de investigação acadêmica que tenham pessoas de diferentes origens e grupos sociais!
- Faça a coisa certa financiando pesquisas sobre o tema do racismo e financiando pesquisadores e pesquisadoras negros!
- Faça a coisa certa implementando políticas de valorização da diversidade e políticas antirracistas em instituições de ensino, pesquisa, empresas, grandes e pequenos negócios, instituições públicas e privadas!
- Faça a coisa certa defendendo que a ciência melhor é aquela que é produzida em ambientes compostos por diferentes olhares de diferentes grupos sociais!
- Faça a coisa certa promovendo pessoas negras para funções de maior prestígio em suas instituições!
- Faça a coisa certa contribuindo para que as leis sejam cumpridas no que diz respeito à proteção dos cidadãos e cidadãs negros e negras!
- Faça a coisa certa contribuindo para o acesso à justiça e à saúde das populações negras!
- Faça a coisa certa implementando políticas públicas que eduquem para a diversidade como a Lei 10639/03 e a Lei 11645/08!
- Faça a coisa certa apoiando financeiramente projetos antirracistas, de promoção e valorização da diversidade!
- Faça a coisa certa contribuindo para que a luta travada pelas pessoas negras não seja solitária!
- Faça a coisa certa no lugar onde está e com aquelas pessoas com as quais convive!
- Faça a coisa certa não fortalecendo negócios, empresas e instituições que endossem práticas racistas!
- Faça a coisa certa apoiando e fortalecendo negócios, empresas e instituições que adotem práticas antirracistas!
- Faça a coisa certa denunciando violências!
- Faça a coisa certa cobrando dos representantes eleitos que se posicionem e ajam contra a violência policial, contra o racismo, o encarceramento em massa de pessoas negras e proponham políticas antirracistas!
- Faça a coisa certa não elegendo quem tenha discursos negacionistas, fascistas, que estimulem
a violência e a opressão! - Há muitas formas de fazer a coisa certa. Cada pessoa pode fazer a coisa certa do lugar e no lugar onde se encontra. Basta colocar em prática a empatia.
- É tempo de tomar posição! Não fique em silêncio! Não assuma uma postura passiva! Não se omita! Se você se importa, pratique a empatia, a solidariedade e o antirracismo. Faça a coisa certa!