A favela não é mais a mesma

Mônica Francisco

Na última semana, as discussões das quais participei em seminários e fóruns trouxeram uma reflexão que me acompanhou ao longo dos dias subsequentes. A mudança na forma e no perfil de quem hoje representa a favela, ou melhor, nas ex- lideranças, atuais representações das favelas. Sim, me dei a liberdade de dizer ex-lideranças comunitárias, termo pelo qual não simpatizo muito.

Muitos jovens, muitas jovens, e apertando ou ampliando mais o olhar, vejo que esta participação, com cara e jeito diferente(espero que para muito melhor), se mescla com uma série de situações desencadeadas por mudanças pelas quais o Brasil vem passando.

Talvez minha análise seja equivocada e então peço desculpas aos que me leem neste momento e estou aberta a outras tantas importantes opiniões e olhares, mas acho que pelo menos não é tão simplória assim. Não posso citar um determinante apenas, mas as ações afirmativas, capitaneadas pelos PVNCS (Pré vestibulares para negros e carentes) tiveram e têm uma importância relevante nesse sentido.

Somemos a isso a exaustão do modelo da representação histórica nas favelas, as associações de moradores, e que temos sentido em versão ampliada no todo de nossa sociedade em relação às nossas instituições, principalmente à política. Também não podemos nos esquecer do papel de muitas ONGs e do próprio processo de redemocratização e a luta por direitos plenos, ou plenos direitos.

O avanço tecnológico, as redes sofisticadas de comunicação via internet, celular, e uma maior circulação na cidade. Não tanto quanto ainda temos direito e merecemos, mas também é importante constar. A valorização da identidade como força constituinte e constitutiva dos indivíduos de modo geral. Identidade de favelado, e favelado(a), como categoria simbólica e e de fato.

Como parte e não à parte, embora seja todo o tempo tratado com à parte e não parte. Segundo o ativista social, rapper e MC, Raphael Calazans, do Complexo do Alemão, a favela tem pautado o discurso ampliado e amplificado pelas jornadas de junho passado, começando pelo “Cadê o Amarildo”, e contribuição desta que escreve, colocando apêndices à fala do MC, passando pelo “O gigante acordou, mas a favela nunca dormiu”, “Não ao teleférico e sim ao saneamento”, situação essa que é delicada não só nas favelas.

Segundo o Instituto Trata Brasil, o atendimento em coleta de esgotos chega a 48,3% da população brasileira, e do esgoto gerado, apenas 38,7% recebe algum tipo de tratamento. Ou seja, a favela vocifera uma situação que não é só dela e pauta uma luta do todo. Isso para falar só de Saneamento.

Se há uma turma que sabe o que é lutar por direitos efetivos e plenos, essa turma é a turma da favela, não tenham dúvidas.Como eu já compartilhei com vocês em outra ocasião, a favela de fato não é mais a mesma e se ela não é mais a mesma, que dirá os favelados que a compõem.

“A nossa luta é todo dia e toda hora. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”

*Representante da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.

Fonte: Jornal do Brasil

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