FLUP celebra a palavra falada na sua edição de 10 anos e aponta para a inclusão dos povos originários com o Slam Coalkan, o primeiro Slam Indígena Mundial

Festival terá programação presencial no Morro da Babilônia e painéis online, além de performances de slammers de Abya Yala (Américas) e participação de grandes nomes como Emicida, Maria Bethânia, Djamila Ribeiro, Boaventura de Souza e Lilia Schwarcz, entre outros

Dez anos depois de começar a escrever suas primeiras linhas e se apresentar como um dos principais festivais literários do país, a Festa Literária das Periferias (FLUP) comemora a data com uma edição especial e uma característica sempre marcante em seus eventos: o vanguardismo. Se há alguns anos a FLUP incorporou pautas pouco exploradas no cenário cultural, como debates sobre questões de raça e gênero, em 2021 o Festival finca sua bandeira na temática indígena e apresenta o Slam Coalkan, o primeiro slam indígena mundial, reunindo poetas das três Américas. Uma parceria com o maior festival canadense, a batalha poética envolvendo artistas dos povos originários é uma referência à profecia que prevê uma grande mudança de consciência quando o Condor, ave símbolo da América do Sul, se encontrar com a Águia, ave símbolo da América do Norte.

“O mundo jamais mudará enquanto não ouvirmos as vozes dos povos originários, particularmente sua longa e rica tradição oral”, afirma Julio Ludemir, curador e um dos criadores da Flup. “Não à toa estamos reunindo poetas indígenas da América do Norte e da América do Sul justamente no ano em que estamos homenagendo a palavra falada, reconhecendo-a e enaltecendo-a como a mais inclusiva das plataformas de formação de autores e leitores.” A Flup sempre foi o espaço da escuta radical, em que corpos negros, LGBTQIA+ e agora indígenas sempre falaram por intermédio de suas próprias vozes, sem a mediação que tanto tem inibido a fala dos lugares. “Se a maior preocupação do mundo em relação ao Brasil é o modo como tratamos nossas florestas, temos que ouvir aqueles que de fato sabem cuidar delas.”

No encontro online entre Boaventura de Sousa Santos e Emicida debaterão a Diáspora Lusófona a partir do hip hop. “Eu acredito que não só a música rap, mas a cultura hip-hop como um todo, ela funciona como um grande telefone que conecta todas as ramificações da Diáspora africana a esse sentimento de que é necessário se construir um sentimento de solidariedade que nos conecte com uma raiz comum”, diz o rapper paulista. O debate faz parte de um ciclo concebido em parceria com o Centro de Estudos Sociais, que tem outros três encontros com intelectuais ou artistas da palavra falada que já passaram por essa que é uma das mais importantes instituições de ensino da Europa. Chamado de Diálogos Transatlânticos, esse ciclo também teve a participação de Ondjaki, da rapper Telma Tvon e da poeta Raquel Lima.

Slam Indígena Mundial (Coalkan)

Nos dias 30 e 31 de outubro, na favela da Babilônia, no Rio de Janeiro, oito poetas da América do Sul dividem a cena com oito slamers da América do Norte na disputa desse que será o primeiro slam indígena de que se tem notícia. A curadoria é compartilhada por Renata Tupinambá, poeta e ativista que vive no Rio de Janeiro,  e Jenifer Murrin, slamer queer que atualmente vive em Toronto e já foi duas vezes campeã do slam canadense.  O Coalkan reedita exitosa parceria da Flup com o Toronto International Festival of Authors, que em 2020 compartilharam o Slam Cúir, apenas com poetas LGBTQIA+. “A comunidade de poetas indígenas aguarda ansiosamente esse encontro com os parentes da América do Norte”, conta a curadora Renata Tupinambá, para quem o slam dialoga diretamente com a tradição oral dos povos originários. Os indígenas sempre cobraram um lugar na cena do slam, que no Brasil tem sido dominado por pessoas negras, particularmente as mulheres. Não à toa a ganhadora do Slam Br foi, pelo quinto ano consecutivo, uma mulher negra.

Para o Cacique Babau (Tubinambá), a palavra é a arma mais perigosa utilizada pelos povos indígenas e eles precisariam aprender a manejá-la para sobreviver. E é através dela que a Flup dez anos inclui a questão indígena no Lanani, o Laboratório de Narrativas Negras, parceria de formação de roteiristas com a TV Globo, e na programação com os slams. “O Brasil se vê como um país birracial, dividido entre negros e brancos, como se toda herança indígena fizesse parte do passado, como se o extermínio cometido contra os povos originários tivesse se estendido a sua cultura, a sua história”, conta Ludermir. Este é o segundo ano seguido em que os indígenas têm uma presença marcante na Flup. Foi na Flup de 2020 que o Cacique Babau fez a afirmação acima. Ian Wapichana, Auritha Tabajara e Kandu Puri são alguns dos poetas convidados para o Slam Coalkan, que será apresentado pela rapper Katu Mirim.

E para os amantes de slam – quem ainda não é, fica a sugestão: conheça e se torne – a programação não para por aí. Nos dias 05, 06 e 07 de novembro a FLUP realizará o Slam Abya Yala – que na língua do povo Kuna, significa Terra madura, é um termo decolonial utilizado como autodesignação dos povos originários do continente como contraponto a América – vai reunir campões dos slams realizados em 14 países das Américas e acontecerá na Laje da Aquarela do Leme, na Babilônia, Rio de Janeiro. “Os primeiros colocados vão participar da Copa do Mundo de Poesia que acontecerá em setembro na Bélgica”, celebra a curadora Roberta Estrela D´Alva, criadora do primeiro slam no Brasil e que atua como curadora dos Slams da FLUP. Estrela D’Alva partilha a curadoria com Comikk Mg, grande articulador do SLAM nas Américas. A dupla também participa da bancada de entrevistadores de Marc Smith, poeta estadunidense que criou as batalhas de poesia em Chicago, na década de 1980.

Já 07 de novembro é o dia em que a FLUP completa dez anos. Em 2021, a data será comemorada com a segunda edição do Prêmio Ecio Salles, que este ano vai homenagear dez pessoas fundamentais para que a Flup tenha sobrevivido a todos os desafios que enfrentou ao longo de sua trajetória. “Vamos tentar contar a história da Flup por intermédio de cada uma dessas pessoas”, conta Julio Ludemir. Não à toa o troféu contém a frase Nossos heróis, nossas heroínas. Uma das pessoas premiadas é DJ TR, que acolheu a Flup na Cidade de Deus em 2016. Ele desempenhou um papel fundamental para retardar a queda do helicóptero na comunidade da qual é cria, que caiu uma semana depois daquela edição da Flup durante uma intensa troca de tiros entre policiais e traficantes. “Foi tanto na boca de fumo quanto na UPP para negociar um cessar-fogo durante o festival”, relembra Ludemir. O produtor Tiago Gomes, que em 2017 trabalhava no governo do Estado, desempenhou papel semelhante na edição do Vidigal, que aconteceu semanas depois depois da guerra da Rocinha.

Slam Esperança é o quinto slam colegial da Flup, o primeiro em escala nacional. “Foi o maior desafio da nossa história”, diz Julio Ludemir. Durante uma formação de dois meses com poetas da estirpe de uma Manu da Cuíca, um Ivan Santos ou Kaê Guajajara, jovens de escolas públicas do ensino médio de sete estados da federação (SP, RJ, ES, MG, GO, CE e PI) foram incentivados a escrever poemas sobre mulheres negras, dentre as quais se destacam a homenageada Esperança Garcia, mulher escravizada que no dia 6 de setembro de 1770 escreveu uma carta para o governador das capitanias do Piauí e do Maranhão reinvindicando seus direitos. Os campeões de cada estado se enfrentarão no dia 8 de novembro, encerrando tanto a Flup quanto a exposição Enciclopédia Negra, em cartaz na Pinacoteca de São Paulo. O Slam Esperança é uma parceria com o Instituto Unibanco e as Secretarias de Educação do Estados e a Escola Sesc de Ensino Médio do Rio e São Paulo. A Flup vai publicar um cordel com os poemas dos participantes da batalha final, no átrio da Pinacoteca.

Outra grande novidade da Flup dez anos será o modo como os debates online serão disponibilizados para o público. “Adotaremos o formato consagrado pelos streamings, que liberam seus conteúdos simultaneamente”, revela o diretor do festival. “Em um mundo em que nada mais segue o tempo analógico, soa no mínimo defasado exigir que nosso público veja cada uma de nossas mesas como se estivesse vendo a novela das nove.” A maratona inclui painéis como O que aprendi com as mais-velhas na cozinha da minha casa e Rimas Transatlânticas: na primeira as filósofas Djamila Ribeiro e Tanella Boni conversam sobre a transmissão oral e afetiva das tradições, conhecimentos e cultura negras; na segunda, na Emicida e Boaventura de Souza Santos debatem “rapensam” a Diáspora pelo viés do hip hop. Outro ponto alto da programação é o encontro entre Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilia Schwarcz, durante o qual falarão sobre o processo de criação da Enciclopédia Negra, tanto do livro quanto da exposição em cartaz na Pinacoteca.

Igualmente imperdível será a homenagem que a Flup e Maria Bethânia fazem a Aldir Blanc, ícone da resistência à ditadura militar que morreu de covid no início da pandemia. “Maria Bethânia, possivelmente a pessoa que mais belamente recita poemas na língua portuguesa, encontrou o tom perfeito de letras como Dois pra lá, dois pra cá e Medalha de São Jorge.” A mesa Diálogo de surdos, envolvendo o poeta paulista Leo Castilho e a poeta francesa Djenebou Bathaly, é um dos momentos mais radicalmente inclusivos da história do festival na medida em que inverte a lógica da acessibilidade. “A barreira que criamos para ouvir os surdos é ainda maior do que a que eles enfrentam para ter acesso à cultura”, afirma Ludemir. Mas atenção: a programação dos dez anos só passará dez dias em cartaz, sendo retirada do ar na noite de 8 de novembro.

A Flup é apresentada pela Prefeitura da Cidade do Rio de Janeiro, secretaria municipal de cultura. Tem o patrocínio da Ternium, Itaú, Globo, por meio da Lei Municipal de Incentivo à Cultura – Lei do ISS. Apoio da Fundação Ford, Instituto Ibirapitanga e Instituto Unibanco. Realização O Instituto.

Programação Flup 10 anos

30/10 a 8/11- FlupflixMaratona de painéis online

Rimas transatlânticas – Rapensando a Diáspora Através da Palavra Falada
Emicida e Boaventura de Souza
mediação de Raquel Lima

Todo mundo é griot, mesmo quem não é griot
Ondjaki e Raquel Lima
mediação de Carla Fernandes

Diáspora, uma palavra feminina
Mynda Guevara e Telma Tvonmediação de Joana Henriques Gorjão

Harlem abissal

Miguel de Barros e Redy Wilson Lima

mediação de Bruno Sena Martins

Tudo que aprendi com as mais-velhas na cozinha de minha casa
Djamila Ribeiro e Tanella Boni
mediação de Ana Paula Lisboa

Diálogo de surdos
Djenebou Bathily e Leo Castilho
mediação de Alessandra Makkeda

Palavra confinada
Lucas Moura, Kaê Guajajara e Pierre Vinclair

Jogo de palavra – Como o slam se espalhou pelo mundo
Comiikk MG, Emerson Alcaide e Roberta Estrela D’Alva entrevistam Marc Smith, o criador do slam

Rime como uma garota
Bibi Abigail, Edith Azam e Luiza Romão
mediação de Karine Bassi

Corre pro Pajeú
Luna Vitrolira comanda mesa de glosa com Dayane Rocha, Elenilda Amaral, Ivoneide Amaral, Francisca Araújo, Thaynnara Queiroz, poetas do sertão do Pajeú

Enciclopédia Negra, biografias que nos definem
Flávio Gomes, Jaime Lauriano e Lilian Schwarcz
mediação de Eugênio Lima

Homenagem do milênio

Maria Bethania recita letras de Aldir Blanc

– 03 ,04, 05 e 8/11 – Slam Esperança Garcia
Jovens de escolas públicas do ensino médio de sete estados da federação (SP, RJ, ES, MG, GO, CE e PI – terra de Esperança Garcia) participam do Slam Esperança (o 5º Slam colegial da Flup). Eles foram incentivados a escrever sobre mulheres negras, tendo a primeira mulher negra reconhecida como autora de um texto no Brasil, Esperança Garcia, como homenageada, e encerram a Flup e a exposição Enciclopédia Negra – Parceria Flup e Pinacoteca.

– 05, 06, 07/11 – Slam Abya Yala
14 poetas das três Américas disputam vagas para a Copa do Mundo de Poesia, a ser realizada na Bélgica em 2022

 – 07/11 – Prêmio Ecio Salles
Flup homenageia dez parceiros fundamentais na sua história

– 08/11 – Slam Colegial em SP
Apresentação na Exposição Enciclopédia Negra na Pinacoteca

– 30 e 31/10 Slam Coalkan
(Parceria TIFA – Toronto International Festival of Authors)


** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.


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