Fundo do poço, fim do caminho por Flávia Oliveira

O Rio de Janeiro foi desmoralizado pelo comportamento nefasto de seus líderes políticos

por Flávia Oliveira no O Globo

Foto Marta Azevedo

Eu queria escrever uma carta de amor aos livros, em resposta ao apelo emocionado de Luiz Schwarcz. O presidente da Companhia das Letras propôs que os brasileiros façam da literatura presente de Natal para evitar o colapso das editoras, após os pedidos de recuperação judicial das duas redes de livrarias mais importantes do país, Cultura e Saraiva. Pretendia contar que razões subjetivas influenciam crescentemente o comportamento do consumidor e, por empatia, muita gente está, sim, disposta a comprar livros neste fim de ano. Mas o Rio de Janeiro não deixa. A quinta-feira amanheceu com Luiz Fernando Pezão preso. Rebatizado em memes nas redes sociais — porque a gente perde até o estado, mas mantém a piada — Prezão foi o quarto governador fluminense encarcerado desde 1999 e o primeiro no exercício do mandato.

Por crime eleitoral, Rosinha e Anthony Garotinho já estiveram em prisão preventiva. Sérgio Cabral Filho, chefe da organização criminosa que levou o Rio a nocaute, está detido há dois anos e já beira dois séculos em condenações na primeira instância. Estão ou passaram pelo sistema três ex-presidentes da Alerj e sete deputados; cinco dos seis conselheiros do Tribunal de Contas do Estado; um ex-procurador-geral de Justiça. Algo vai muito mal num território com a cúpula política tão apodrecida.

O Rio de Janeiro foi desmoralizado pelo comportamento nefasto de seus líderes políticos e, sob qualquer aspecto que se observe, decaiu. Chegou ao fundo do poço, o fim do caminho. De epicentro dos investimentos, capital dos megaeventos, potência petrolífera, exportador de políticas públicas de saúde (UPA) e segurança (UPP) tornou-se vexame nacional. Acumula contas públicas em frangalhos, desemprego galopante, indicadores sociais sofríveis, atividade econômica débil. Semanas atrás, o IBGE divulgou os resultados de 2016 do Produto Interno Bruto dos estados. No ano dos Jogos Olímpicos, enquanto o Brasil amargou recessão de 3,3%, a economia fluminense despencou 4,4%. Teve o 19º desempenho entre 27 unidades da federação.

Com o fim — ou a interrupção por falta de dinheiro — das obras de mobilidade urbana, equipamentos esportivos, construção de hotéis e moradias, a indústria de construção despencou 14,7%. A queda no preço internacional do petróleo e o efeito nos royalties reduziram em quase um ponto percentual a participação do Rio no PIB nacional, agora em 10,2%. Se é feia a fotografia de um ano, o que dizer do filme. De 2002 a 2016, a década e meia em que seríamos felizes, a economia local cresceu apenas 1,6% ao ano, lanterna do país. No topo da lista, o Tocantins avançou 5,2% anuais.

No Rio, a taxa de desemprego do trimestre julho-setembro de 2018 foi de 14,6%, sexta maior do país e 2,7 pontos percentuais acima da média nacional. Em um ano, foi o quarto estado em crescimento (9,8%) do trabalho sem carteira assinada. Está com o menor número de empregados formais desde 2012, início da série histórica da Pnad Contínua: 2,750 milhões, quase um milhão abaixo do melhor momento, o segundo trimestre de 2014.

Na penúria, o estado deixou de pagar a aposentados, pensionistas e servidores; entrou em estado de calamidade financeira. O programa de Unidades de Polícia Pacificadora naufragou, e os índices de violência (de homicídios a roubos de carga) explodiram. Desde fevereiro, a segurança pública está sob intervenção federal, que nos primeiros sete meses deixou 1.024 pessoas mortas pela polícia. Na educação, o Rio não cumpriu as metas de 2017 do Índice de Desenvolvimento da Educação Básica.

Os donos do Rio começaram a balançar em 2013, com as manifestações que levaram Cabral a interromper o segundo mandato antes do fim, para içar o então vice a governador e candidato à reeleição. A manobra política deu certo, mas o projeto de poder naufragou diante das investigações da Lava-Jato e da crise fiscal que tornou Pezão tão ou mais impopular que o presidente Michel Temer, do mesmo MDB. Nas urnas, a população deu o veredicto. Baniu o partido da prefeitura da capital em 2016 e, este ano, elegeu o desconhecido Wilson Witzel (PSC) governador e deixou fora do Legislativo os herdeiros políticos de chefões encarcerados. Agora, é começar de novo.

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