Apesar do baixo-astral reinante na terra-brasilis, entrei em 2018 confiante: creio que pela primeira vez o Brasil irá decifrar a essência de suas desigualdades. Sem isso não é possível pensar num projeto de nação. As desigualdades aqui são infames e, todos sabemos, elas têm procedência histórica, cor e sexo. Mais: as desigualdades de raça e de sexo demarcam o esgoto social a céu aberto que o Brasil sempre foi, mas que, presentemente, tornou-se uma anomia social-moral insustentável.
Por Helio Santos, do Brasil de Carne e Osso
Finalmente, parece que a “ficha caiu” para todas e todos! Alguns, aglutinados em seus nichos partidários, foram os últimos a ceder aos fatos: estamos por nossa conta e risco na luta para efetivar as mudanças estruturais desse país racista, misógino, homofóbico, classista – uma verdadeira máquina de moer cidadania. Quem entender que se trata de exagero – sempre há quem queira contemporizar -, considere o congelamento por 20 anos dos direitos sociais; a mortandade genocida dos jovens negros; o retorno de doenças que estavam extintas; o crescimento de 500% do encarceramento de mulheres negras. E, finalmente, a execução de Marielle Franco. A execução de Marielle foi um recado direto ao maior segmento da população brasileira: as mulheres negras. Já havia visto em 18 de novembro de 2015 um avant-premier desse filme: a marcha pacífica das mulheres negras foi recebida a tiros em Brasília. Mulher negra empoderada, reivindicando o seu devido espaço na esfera do poder é algo surreal para uma elite anacrônica e, porque não dizer aqui, também perigosa.
Toda essa conversa é para nos introduzir ao título acima: o STF decidiu que, pelo menos, 30% do Fundo de Financiamento de Campanha das próximas eleições deverá ir para as mulheres candidatas. Cerca de 1 bilhão e setecentos milhões de reais serão distribuídos aos partidos. 30% desse valor terá de ir para o custeio das campanhas das mulheres, cerca de 510 milhões de reais.
Fonte:MDB, PT e PSDB terão mais dinheiro do fundo eleitoral; veja divisão
A EDUCAFRO, com o meu absoluto apoio, entende que a metade desse valor destinado às mulheres nos partidos deve vir para o financiamento das candidaturas das mulheres negras. Ou seja: 255 milhões de reais. 51,8% (mais da metade) das mulheres brasileiras são negras.
Sem esse cuidado na repartição dos recursos, sabe-se que uma posição de neutralidade não alcança o objetivo pontificado pela Ministra Rosa Weber do STF que tomou essa decisão tendo como referência o princípio constitucional da IGUALDADE
Evidente que os partidos políticos podem exceder esse limite de 30% fixados pelo STF, considerando que os homens na sociedade brasileira têm mais acesso aos recursos para financiamento de campanha, fruto do tipo de sociedade que aqui se construiu. Apenas 10% da Câmara dos Deputados são de representação feminina – uma das mais baixas do mundo. Se considerarmos as mulheres negras isso beira à uma participação ínfima. Importante lembrar: as mulheres negras são o maior grupo da população brasileira!
Para que se tenha uma ideia de valor: o MDB – maior partido – receberá 234 milhões; o que significa cerca de 70 milhões para as mulheres dos quais 35 seriam para as candidatas negras. O PT, segundo maior partido na Câmara, deveria destinar às candidatas negras da legenda pelos menos 32 milhões de reais dos 212 que embolsará. Pela ordem, o PSDB, transferiria para as suas candidatas negras cerca de 28 milhões de reais. Partidos menores como PSB, PC do B, PSOL e PDT, deveriam, respectivamente, distribuir às suas candidatas negras os seguintes valores: 18 milhões; 4 milhões; 3,2 milhões e 9,2 milhões de reais.
Espera-se que ativismo negro independente cobre das lideranças partidárias, quase todas elas exercidas por homens brancos, eventualmente até judicialmente se for o caso, para que a metade dos recursos destinados às mulheres sejam canalizados paras as candidatas negras da legenda.
Por outro lado, nada nos impede que façamos um FUNDO NACIONAL PARA AS CANDIDATURAS NEGRAS, em que pessoas avulsas poderiam doar de cinco a 100 reais, por exemplo. Agora, já pensando num Fundo que alcançasse homens e mulheres negras. Além dos recursos financeiros, que têm barrado, historicamente, a eleição de negras e negros, uma campanha por fundos traria as famílias negras para o centro do debate. Precisamos gritar ao povo negro: SOMOS OS ÚNICOS ELEITORES DO MUNDO QUE ELEGEMOS NOSSOS INIMIGOS. Para reverter todo esse entulho que desgraçará ainda mais a vida de nossas famílias, como o congelamento por 20 anos dos Direitos Sociais, precisamos eleger os nossos. A maioria da população brasileira, que é negra, vem ao longo do tempo empoderando pelo voto aqueles que, uma vez eleitos, destroem seus direitos – seja pela ação ou omissão dessa elite eleita.
2018 promete, precisamos utilizar caminhos alternativos e inovadores para alcançar o voto negro – sempre desdenhado pelos donos do poder. Blogueirxs, artistas, ativistas, youtubers, agitadorxs culturais, personalidades, poetas e escritorxs precisamos construir com rapidez uma usina disruptiva para eleger uma bancada relevante de negros e, sobretudo, de negras em outubro próximo.
Um Fundo de Campanha relevante para as candidatas negras pode vir a ser o início de uma virada de jogo. Seria mágico em 01 de janeiro de 2019 termos dezenas de mulheres negras tomando posse num congresso machista e racista. O começo de uma profilaxia política em Brasília.