Geledés recebe estudantes da FGV para um diálogo sobre justiça tributária 

Enviado por / FontePor Semayat Oliveira

Artigo produzido por Redação de Geledés

Em 2024 o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) publicou um estudo chamado “O papel da política fiscal no enfrentamento da desigualdade de gênero e raça no Brasil“. O documento evidencia o quanto as pessoas negras, especialmente as mulheres, são mais penalizadas pelo sistema tributário brasileiro. Isso porque os impostos indiretos, ou seja, valores embutidos na compra de alimentos, móveis, roupas e contratação de serviços, pesam mais para essa população. 

Um trecho do texto faz a seguinte afirmação: “É válido reconhecer que a política fiscal tem potencial de atuar sobre os mecanismos de reprodução do racismo e do sexismo no que diz respeito às desigualdades econômicas”. Diante desta realidade, Geledés – Instituto da Mulher Negra, recebeu em sua sede cerca de 22 alunos e alunas do 3ª ano da faculdade de direito da Fundação Getúlio Vargas, de São Paulo, para um diálogo sobre o tema. 

Liderados por Thiago Amparo e Tathiane Piscitelli, ambos professores da instituição, os estudantes  participam de um projeto interdisciplinar com foco em discriminação racial no Brasil, direito constitucional, direitos humanos e direito tributário. Para a execução, firmaram conexões com movimentos sociais e instituições que atuam diretamente em áreas relacionadas a gênero, raça e justiça social. Geledés foi um dos parceiros. 

Thiago Amparo, Maria Sylvia e Tathiane Piscitelli – Foto: Isabela Gaidis

A proposta é que os jovens identifiquem demandas a serem trabalhadas ao longo do curso, com a supervisão dos professores. Alguns exemplos de produtos que podem ser desenvolvidos incluem: manuais para a elaboração de orçamentos públicos sensíveis a gênero e raça; Guias de fiscalização da sociedade civil sobre as despesas públicas; Avaliação de políticas públicas concretas; Estudos críticos sobre o sistema tributário nacional. 

O grupo foi recebido por Maria Sylvia Oliveira, advogada e coordenadora de Geledés na área de Gênero, Raça e Equidade. “Pautar o fortalecimento econômico e financeiro da população negra é um dos objetivos da nossa organização para este ano. Por isso, trocas como essas são oportunidades para que futuros profissionais conheçam a realidade brasileira e ocupem seus futuros cargos com disposição para mudarem esse jogo”, afirmou Oliveira.

Thiago Amparo – Foto: Isabela Gaidis

Thiago Amparo explicou que o objetivo da iniciativa é produzir um material relacionado à desigualdade de raça e gênero dentro de tributação e orçamento. “Pensamos em tratar desses dois temas porque a disparidade existe nas duas frentes. Em termos proporcionais, mulheres negras arcam com mais tributos no país. E o gasto público, muitas vezes, não é direcionado para esse grupo. Então, tem um dispêndio que também é desigual”. 

Para Tathiane Piscitelli, a despeito de sua urgência, esta ainda é uma discussão embrionária no direito. Por este motivo, torna-se ainda mais fundamental provocar a reflexão dos alunos e propor que criem algo a partir deste desafio. 

Tathiane Piscitelli – Foto: Isabela Gaidis

“Qualquer política pública depende da receita vinda dos tributos ou da alocação de uma determinada receita em uma determinada despesa. A partir disso, podemos fazer duas considerações. A primeira é: a forma como eu tributo importa. Então, se o tributo obtém muita receita, mas às custas do aumento da desigualdade ou de um ônus muito maior para uma população mais vulnerável, que nesse caso são as mulheres negras, essa tributação tem um problema”, ressalta.

O segundo ponto levantado pela professora é a necessidade de pensar a política pública de forma transversal. “Essa é a orientação internacional hoje. Devemos perguntar qual é o impacto em termos de desigualdade. E, olhando para o Brasil, nosso maior desafio é em gênero e raça. Portanto, é importante construir esse debate na academia”, finaliza Piscitelli. 

Caminhos do direito no terceiro setor

Maria Sylvia, advogada e coordenadora de Geledés na área de Gênero, Raça e Equidade – Foto: Isabela Gaidis

Durante a visita, Maria Sylvia Oliveira fez uma fala de abertura resgatando a história da organização e também a sua trajetória profissional. Formada em Direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, em 1994, optou por seguir pela via do ativismo em direitos humanos. 

Um dos projetos liderados por ela em Geledés é a formação de  Promotoras Legais Populares (PLPs), iniciativa de capacitação de lideranças comunitárias em direitos humanos e direito das mulheres. O objetivo principal é multiplicar informações, fortalecer o exercício da cidadania e o acesso à justiça, além de promover a atuação em rede para o enfrentamento da violência doméstica. Thiago Amparo destacou que levar os jovens para a sede de uma organização como Geledés é uma forma de inspiração. “É muito importante o aluno de direito desmistificar a ideia de que a única opção profissional é trabalhar em escritório de advocacia. Tem organizações sérias, consolidadas, com financiamento sério, trabalhando com esses temas”.

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