No dia 11 de julho de 2021, a internet foi tomada pelas imagens do produtor cultural Iverson de Souza Araújo, conhecido como DJ Ivis, agredindo sua ex-esposa Pamella Holanda, na frente de seu filho e de outras duas pessoas. Apesar de toda a indignação e revolta geradas na internet pela divulgação das imagens, no dia seguinte, tivemos a triste notícia de que mais 200 mil pessoas passaram a seguir a conta do DJ no Instagram. Apenas curiosidade ou estaríamos presenciando o surgimento de mais um ídolo perverso? Não sei responder. Mas, não me causaria espanto, já que vivemos em um país onde o presidente é uma espécie de “Gru”, com seus “minions” de cercadinho e suas milícias virtuais.
Em nosso país, as relações assimétricas de gênero, atravessadas por questões de raça e classe, produzem um cenário de insegurança para as mulheres, pelo simples fato de ser mulher. Em 2013, o Brasil alcançou a quinta posição no perverso ranking mundial dos países com as maiores taxas de feminicídio, de acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ainda não conseguimos sair dessa posição. Pelo contrário, durante a pandemia tem sido observado um aumento significativo dos casos relativos à violência doméstica contra a mulher no Brasil.
A terceira edição da pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil” – realizada pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública em parceria com o Datafolha e publicada em junho de 2021 – apresentou uma evolução dos índices relativos a esse tipo de violência. Em 2019, 42% das vítimas informaram que vivenciaram a violência mais grave em suas casas. Na pesquisa publicada neste ano, esse índice é de 48,8%. Como possíveis causas do crescimento observado, o relatório aponta o aumento do tempo de convívio das mulheres com os agressores e o distanciamento delas das possíveis redes de proteção.
E qual é o papel da escola diante desse terrível cenário? Sabemos que no pós-pandemia a escola terá pela frente inúmeros desafios, em função do agravamento das desigualdades educacionais produzido pela suspensão das atividades presenciais. A questão da violência doméstica é mais um desses desafios. Se entendermos a ideia de formação cidadã – prevista pela CF de 1988 e pela LDBEN de 1996 – como luta contra a barbárie, o combate à violência deve ser urgentemente incorporado ao cotidiano escolar.
Pensar a escola como responsável apenas pela capacitação profissional ou formação acadêmica – ideia expressa no slogan “Escola ensina, família educa” – não é suficiente para construirmos uma sociedade mais justa e igualitária. Entretanto, desde o golpe de 2016, as políticas públicas educacionais voltadas para o combate da desigualdade de gênero, especialmente no âmbito federal, vêm sendo sistematicamente desmontadas e abandonadas, ou até mesmo proibidas. A censura, não muito velada, ao tema gênero no ENEM é um exemplo do tipo de educação que atualmente se pretende construir no Brasil.
Para nossa surpresa e na contramão da prática que tem sido adotada pelo Ministério da Educação, o Presidente da República sancionou em junho a Lei Nº 14.164 , que institui a Semana Escolar de Combate à Violência contra a Mulher e inclui conteúdo sobre a prevenção da violência contra a mulher nos currículos da educação básica. Porém, sabemos que a simples existência de parâmetros legais não garante uma prática pedagógica. É necessário que haja políticas públicas específicas voltadas para a promoção dos objetivos expressos na lei, como por exemplo, investimentos na formação das e dos educadores.
Não há cidadania onde não há direitos. Precisamos educar objetivando a proteção dos direitos que já existem e a promoção de novos direitos. Isto porque, parafraseando Theodor Adorno, a exigência de que casos como o da Pamella Holanda não se repitam deve estar entre as primeiras para a educação.
*Natália Braga de Oliveira- Professora do Departamento de Sociologia do Colégio Pedro II
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