Gravar abuso policial se torna comum, mas eficácia é dúbia

O equilíbrio que Diamond Reynolds consegue manter no início da transmissão ao vivo, via streaming no Facebook, da morte de seu namorado, Philando Castile, por um policial na última quarta-feira (6), é desconcertante.

por Isabel Fleck no Folha

Nos primeiros minutos, ela foca o namorado, negro, que agoniza ao seu lado, os braços do policial ainda segurando a arma, e descreve, com voz embargada, mas límpida, o que acabara de acontecer.

“Você atirou quatro vezes nele, senhor. Ele só estava pegando seus documentos, senhor”, diz Reynolds. Ela detalha para quem está assistindo: “ele estava tentando tirar a carteira e a habilitação do seu bolso”, “ele deixou que o policial soubesse que estava fazendo isso”, “ele contou ao policial que tinha uma arma e que estava buscando [no bolso] a carteira”.

A intenção de Reynolds é clara: registrar as imagens como prova e testemunhar, na presença do policial, o que havia ocorrido antes de a câmera do celular ser ligada.

Mais tarde, também em vídeo, ela disse querer que o caso de Falcon Heights, em Minnesota, viralizasse e que “todos no mundo” soubessem como a polícia “forja provas”. Em menos de 24 horas, o vídeo de Castile teve mais de 4 milhões de visualizações.

O caso é o mais recente de abuso policial registrado por câmeras de celular e divulgado em redes sociais. Um dia antes, imagens da morte do também negro Alton Sterling, 37, em Baton Rouge, Louisiana, feitas com celular por testemunhas, também tinham gerado grande repercussão.

A cada vez mais frequente ação de filmar os episódios de violência policial poderia ser só mais um desdobramento do comportamento de uma geração que aprendeu a registrar com o celular cada passo para divulgação posterior ou instantânea. Mas ela tem sido orientada por grupos de defesa dos direitos humanos e organizações criadas para o monitoramento da ação policial.

A influente União Americana pelas Liberdades Civis (Aclu), por exemplo, criou recentemente um aplicativo que permite filmar um episódio de violência e imediatamente enviar o vídeo para a ONG em cada Estado americano. Pelo aplicativo, o usuário é ainda lembrado de todos os seus direitos e do que um policial não pode fazer durante uma abordagem.

O grupo WeCopwatch, que monitora as ações de agentes, também incentiva a gravação de episódios que possam ser contestados depois.

O impacto social das imagens é inegável. Em 2014, os vídeos que mostravam a ação policial que levou à morte de Eric Garner, em Nova York, e o corpo do jovem negro Michael Brown, alvejado por um agente em Ferguson (Missouri), comoveram os EUA e ajudaram a levar milhares de pessoas às ruas no país.

Os vídeos da última semana também contribuíram para mobilizar manifestantes em diversas cidades. Em Dallas, um protesto terminou com o ataque de um atirador, que matou cinco policiais.

O que não é tão claro é a força que esse tipo de gravação tem como prova num processo judicial. Num dos casos mais explícitos, o de Garner, mesmo com o vídeo que o mostra dizendo não conseguir mais respirar e o momento em que cai no chão, desacordado, o policial que o imobilizou não foi indiciado.

A importância de monitorar as abordagens já foi reconhecida pelo próprio governo federal, que se comprometeu em comprar 50 mil câmeras para serem acopladas nos uniformes de policiais de municípios que não tiverem verba para isso.

O problema é garantir, na sequência, que elas sejam corretamente usadas. No caso de Sterling, a câmera no uniforme do agente se desconectou durante a ação. Segundo a polícia, há algumas imagens e sons captados, mas “podem não estar tão bons quanto gostaríamos”.

 

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