A lei seca nos Estados Unidos desenvolveu as máfias, estimulou a corrupção policial e não acabou com o alcoolismo.
por Alberto Dines
A criminalização do aborto no Brasil é a responsável direta pela morte de uma mulher a cada dois dias em clínicas clandestinas ou “consultórios” improvisados. Por ano calcula-se que no Brasil praticam-se de 800 mil a 1 milhão de abortos clandestinos. Apenas 1.500 foram legais – decorrentes de estupros, ameaça à saúde materna e anencefalia do feto.
A questão é gravíssima sob todos os aspectos – é uma ameaça à saúde pública, é um caso de polícia pelo impulso a um gênero novo de delinquência, é uma ferida aberta no Estado de direito já que a proibição de interromper a gravidez decorre de dogmas religiosos impostos a uma República teoricamente laica e secular.
Esta violação do direito de escolha e do livre arbítrio não configura apenas um ilícito na aplicação da lei maior. É também um embargo à liberdade de expressão já que a maioria dos profissionais das redações brasileiras é constituída por mulheres impedidas de manifestar suas convicções.
Nestas eleições, a reação ao obscurantismo levou a grande imprensa a iniciar um debate até então embargado. A pressão das ONGs e do Terceiro Setor – inclusive este Observatório – obrigou os jornalões a se livrar do tabu. Mas com muita discrição, sem veemência. Prova disso você encontra no último debate entre os presidenciáveis. Das três candidatas apenas uma favoreceu o aborto e dos quatro candidatos, apenas um foi favorável à descriminalização do procedimento. Não é por acaso que a exceção seja personificada por um sanitarista.
Além de descriminalizar a interrupção da gravidez, precisamos tirá-la do âmbito religioso, precisamos sobretudo rasgar as mordaças que impedem a mulher brasileira de se manifestar como profissional de imprensa e como cidadã. Quando isso acontecer nos livraremos da hipocrisia e do atraso.
Fonte: Observatório da Imprensa