Ialorixá da Baixada Fluminense recebe condecoração da Alerj por trajetória de luta social

Mãe Beata de Iemanjá vai receber honraria mais alta da Alerj Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Uma promessa feita para a avó materna, aos 8 anos, à sombra de um cajueiro, é seguida com afinco por uma das ialorixás mais antigas da Baixada Fluminense. Aos 86 anos de vida e 61 de iniciada no candomblé, Beatriz Moreira da Costa, a Mãe Beata de Iemanjá, de Nova Iguaçu, tem uma longa história de defesa dos direitos humanos. O trabalho está sendo reconhecido. Às vésperas do Dia das Mães, foi aprovado pela Alerj, no último dia 26, o projeto do deputado Marcelo Freixo (PSOL) que concede à sacerdotisa a Medalha Tiradentes (maior honraria da instituição):

— No momento em que vivemos, é válido esse reconhecimento a uma mulher negra, nordestina e ialorixá. Agradeço muito, mas não posso estar contente com tantas notícias ruins sobre meu povo. Essa medalha não é minha. É de cada gay, lésbica, mulher violentada, ou que chora no hospital com o filho baleado, é do meu povo, que não tem voz nem oportunidade.

A baiana de Cachoeira, no Recôncavo Baiano, se emociona ao lembrar de uma história que ouviu da avó materna, uma ex-escrava, quando tinha 8 anos:

— Depois de eu insistir, ela mostrou a perna. Quase aparecia o osso. Disse que, quando era escrava no engenho, foi obrigada a ficar dentro da lagoa com sanguessugas subindo pelo seu corpo. Se saísse, apanharia do feitor. Então, pegou o facão e cortou uma parte da perna, tentando tirar os bichos. A dor foi tanta que desmaiou. Chorando, prometi a ela que cresceria e iria combater todos que fossem ruins com mulheres.

Mãe Beata com os filhos biológicos e os que foram iniciados por ela em seu terreiro, na cidade de Nova Iguaçu Foto: Roberto Moreyra / Agência O Globo

Nessa mesma idade, ela começou a trabalhar na roça, pois a mãe tinha operado mioma. Carregava lenha, buscava água no poço, capinava. Sua história no Rio de Janeiro começou em 1969, quando, divorciada, veio tentar a vida. Foi doméstica, cozinheira, manicure. Meses depois, buscou os filhos. Morou na Zona Norte. Depois se estabeleceu no bairro de Miguel Couto, em Nova Iguaçu, onde fundou, em 85, o Terreiro Ilê Omi Ojú Arô, que significa Casa das Águas dos Olhos de Oxóssi.

Mãe Beata luta pelos direitos humanos Foto: Rberto Moreyra / Agência O Globo

Mãe de quatro filhos biológicos e de centenas de filhos de santo, Mãe Beata não distingue sua prole.

— Dei à luz pelo meu ventre e pelas minhas mãos. A verdadeira mãe não diferencia filho. O amor é o mesmo.

O trabalho da ialorixá extrapola os limites da religião. O terreiro já foi Ponto de Cultura, com oficinas de dança, música, teatro, informática e geração de renda.

Mãe Beata, que é presidente de honra da ONG Criola — que defende os direitos de mulheres negras — tem planos maiores. Também escritora, quer abrir biblioteca no terreiro:

— Tenho mais de três mil livros. Quero conversar com o secretário de Cultura sobre isso, e voltar com as oficinas aqui. Precisamos de ferramentas para defender nossa cultura e nosso povo.

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