Interseccionalidade conceito teórico construído pelas feministas negras, e que teve maior visibilidade pelas mãos de Kimberlé Crenshaw. Neste conceito vai ser apresentado o intercruzamento de opressões que impacta na vida das mulheres marginalizadas, no entanto, as feministas negras focam a interseccionlidade de raça, gênero e sexualidade.
Por Emanuelle Goes Do Populacao Negra e Saude
De acordo com Crenshaw (2002), a interseccionalidade é uma associação de sistemas múltiplos de subordinação, sendo descrita também como cargas múltiplas, ou como, que concentra problemas, buscando capturar as consequências estruturais de dinâmicas da interação entre dois ou mais eixos da subordinação.
A pesquisadora Julia Sudbury (2003) relata que nos Estados Unidos da America, as feministas afro-americanas desenvolveram um conceito de sua posição, a partir da interseccionalidade de raça, gênero e sexualidade, declarando uma única natureza de integração dos sistemas de opressão. Nos lugares onde as mulheres brancas estão “cegas” pela “raça” e talvez o privilégio da classe e os homens estão limitados pela mascara de sua masculinidade e neste caso as mulheres negras estão numa posição radicalmente marginalizada.
A intersecção como forma de analise categórica e histórica, permite visibilizar o que as mulheres negras experimentam neste lugar, de não ser uma mulher branca e nem um homem negro. Jurema Werneck diz que “a ocorrência destes fatores e suas intensidades sobre pessoas e grupos populacionais vai impactar de formar simultânea, sincrônica, não sendo possível separá-los ao longo da experiência concreta de cada indivíduo ou povo. É a isto que chamamos de interseccionalidade.”
A vivencia do racismo é diferente para homens e mulheres, por exemplo, os jovens negros estão mais impostos a violência física institucional ou não, enquanto que as mulheres são mais vulneráveis a outro tipo de violência, principalmente, as que estão relacionadas as representações sobre o corpo (ÂNGELA FIGUEIREDO, 2008).
Pois as singularidades vividas pelas mulheres negras não são parecidas com as mulheres brancas quando é são atingidas pelo sexismo e não é parecido com o homem negro quando eles são atingidos pelo racismo. De acordo com bel hooks “o sexismo e o racismo, atuando juntos, perpetuam uma iconografia de representação da negra que imprime na consciência cultural coletiva a ideia de que ela está neste planeta principalmente para servir aos outros”.
A experiência de viver uma intersecção das opressões é outra experiência e consequentemente outro impacto, as mulheres negras vivencia um lugar singular. Pois os processos de singularização das mulheres negras produziram uma diferenciação entre sujeitos e grupos sustentados na raça e no gênero – mulheres e homens, negras/os e brancas/os (Lopes e Werneck, 2009).
A intersecção vai apresentar um conjunto de opressões estruturantes, sistemas que organizam uma sociedade euro-falocêntrica, e o racismo que é estruturante deste sistema e é potencializado pelas outras opressões patriarcais e heteronormativas,sendo na verdade uma retroalimentação. As discriminações, ação do sistema de opressão, consequentemente também se interseccionam e ampliam as outras discriminações que estão vinculadas ao sistema.
Por exemplo, no campo da saúde, as mulheres negras são alvo preferencial, sendo consideradas menos humanas que outros, corpo negro feminino espaço de experiências e violações principalmente. No que se refere ao direito sexual e reprodutivo, mesmo que o objetivo principal seja atingir a população negra, são as mulheres negras as atingidas frontalmente. O sexismo, racismo, exploração e dominação política estão nas bases do controle da natalidade através da esterilização de mulheres negras e índias nas Américas e em outras partes do mundo (WERNECK).
Poderíamos elencar situações diversas que se remetem, particularmente, as mulheres negras, sendo atingida pelo conjunto das opressões, como as esterilizações em massa que tinha/tem o objetivo de diminuir o contingente populacional negro, as histerectomias, as mortes maternas, assim como as experiências com métodos contraceptivos hormonais.
Essa experiência singular precisa ser reconhecida no campo do racismo e do sexismo, pois quando estamos falando de ações para mulheres não estamos falando de mulheres negras e quando estamos falando de promoção da igualdade racial também não estamos falando de mulheres negras.
Segundo Sueli Carneiro (2006), com isso as mulheres negras precisam lutar contra a opressão de gênero e de raça no compasso para as ações políticas feministas e antirracistas, contribuindo tanto para a discussão sobre a questão racial como também para a questão de gênero na sociedade.
E fim, por hora
Kimberlé (2005) diz que “Devo dizer imediatamente que meu objetivo não é oferecer interseccionalidade com uma nova teoria holística de identidade […]. Este foco nas interseções de raça e gênero é destinado apenas para destacar a necessidade de ter em conta as múltiplas fontes de identidade quando se pensa sobre a construção da esfera social.”
Referencias:
LOPES, Fernanda; WERNECK, Jurema. Mulheres jovens negras e vulnerabilidade ao HIV/ Aids: O lugar do Racismo. In: TAQUETTE, Stella R. (org) Aids e juventude: gênero, classe e raça. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2009.
SUDBURNY, Julia. Outros tipos de Sonhos: Organizações de Mulheres Negras e Políticas de Transformação. São Paulo: Summus, 2003.
CRENSHAW, Kimberlé. Documento para o encontro de especialistas em aspectos da discriminação racial relativos ao gênero. Revista Estudos Feministas, vol.10, n.1, p.171-188. 2002.
______ Cartographies des marges : intersectionnalité, politique de l’identité et violences contre les femmes de couleur Dans Cahiers du Genre 2005/2 (n° 39)
CARNEIRO, Sueli. Raça e etnia no contexto de Beijing. In: WERNECK, Jurema. MENDONÇA, Maísa. WHITE, Evelyn C. (org). O livro da Saúde das Mulheres Negras: nossos passos vêm de longe. 2. ed. Rio de Janeiro: Pallas / Criola, 2006.
HOOKS, Bell. Intelectuais negras. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, p. 464-479, 1995.
WERNECK, Jurema. Algumas considerações sobre racismo, sexismo e a tecno-eugenia.
FIGUEIREDO, Ângela. Dialogando com os estudos de gênero e raça no Brasil. In: Raça : novas perspectivas antroplógicas / Livio Sansone, Osmundo Araújo Pinho (organizadores). – 2 ed. rev. Salvador: Associação Brasileira de Antropologia: EDUFBA, 2008.
*Blogueira, Enfermeira, Pesquisadora, Odara Instituto da Mulher Negra, Doutoranda em Saúde Pública/UFBA