Juventude negra, ciência e educação

Suscitar vocações quebra ciclos e corrige injustiças históricas

FONTEFolha de São Paulo, por Iraneide Soares da Silva e Ricardo Henriques
Metade dos brasileiros é favor das cotas raciais em universidades públicas, diz pesquisa (Foto: Getty Images)

Mesmo com os avanços já promovidos pela lei 12.711/2012, que nacionalizou o sistema de cotas nas universidades federais, o percentual da população brasileira com 25 anos ou mais que alcançou o ensino superior era de 27,1% para pessoas brancas em 2022, em contraposição a apenas 12,6% para pessoas negras, segundo dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Embora abissal e desumana, a persistente desigualdade de acesso à universidade entre brancos e negros é apenas um dado entre muitos que explicitam como o racismo estrutura as relações, os acessos e a permanência em espaços escolares, assim como o ingresso em carreiras profissionais de prestígio social.

Conforme atestam os números, a reduzida presença de pretos e pardos nos espaços acadêmicos é consequência de um processo de discriminação e exclusão que se inicia na educação infantil, acumulando barreiras a cada etapa educacional. O resultado é que, em 2022, se 75% dos jovens brancos de 19 anos haviam concluído o ensino médio, entre os pretos e pardos, a porcentagem ficava em torno de 62%, segundo dados do IBGE.

Diante da urgência de mudanças estruturais, torna-se evidente a importância de se desenvolver e implementar estratégias de ação afirmativa ao longo de todo o ciclo da educação básica. Ao mesmo tempo, muitas iniciativas pleiteadas pelo movimento negro têm buscado reparar as injustiças históricas experienciadas pela população negra brasileira.

Nesse contexto, o projeto Afrocientista, lançado em 2019, é um excelente exemplo de ação consolidada e com bons resultados. Produzido e desenvolvido pela Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as e pelo Consórcio de Núcleos de Estudos Afro-brasileiros (CONNEABs), em parceria com o Instituto Unibanco, e mais recentemente com o Ministério da Educação (MEC), o projeto suscita a vocação científica entre estudantes negros matriculados em escolas de ensino médio públicas.

Ao longo das quatro edições do projeto, 425 jovens da educação básica já receberam bolsas para participarem diretamente de atividades de pesquisa, ensino e extensão produzidas por núcleos de estudos afro-brasileiros e indígenas. Na execução das ações, o projeto conta com a participação de professores e gestores escolares, mobilizando, ainda, grupos e movimentos sociais locais.

Em 2022, entre os estudantes do 3° ano do ensino médio que participavam do projeto, 34% foram aprovados em instituições do ensino superior. São ciclos que se quebram quando a juventude negra ingressa no ensino superior com seus saberes e visões de mundo para uma produção de conhecimentos científicos ainda mais potente.

Pelo seu caráter estrutural, o enfrentamento do racismo na sociedade brasileira só se dará a partir do comprometimento de todos os setores: poder público, iniciativa privada e sociedade civil. É urgente que projetos como o Afrocientista sejam valorizados, ganhem escala e permitam que nossas juventudes se desenvolvam, com iguais oportunidades, em toda a sua plenitude.


Iraneide Soares da Silva é Presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores/as Negros/as (ABPN)

Ricardo Henriques é Superintendente-executivo do Instituto Unibanco

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