Lei que dá direitos às domésticas emperra

Pressão política e falta de conclusão de estudos interrompem elaboração de PEC que beneficiaria 6,8 milhões de trabalhadores

Para especialistas, aumento dos custos de contratação e encargos poderiam ter o efeito colateral de elevar a informalidade no setor

 

Pressão política e falta de conclusão de estudos interromperam a elaboração de uma PEC (Proposta de Emenda Constitucional) do governo federal para igualar os direitos dos empregados domésticos aos das demais categorias.

Cinco ministérios -Trabalho, Previdência Social, Casa Civil, Fazenda e Planejamento- chegaram a discutir em 2008 mudanças na legislação da maior categoria profissional do Brasil, formada por 6,8 milhões de trabalhadores. A intenção era encaminhar uma PEC ao Congresso até o final de 2008, o que não aconteceu.

O empregado doméstico, como estabelece a Constituição Federal de 1988, não tem direito a jornada de trabalho estabelecida em lei, hora extra, adicional noturno, salário-família, FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço) obrigatório, seguro-desemprego e benefício por acidente de trabalho.

Em 2008, a ministra Nilcéa Freire, da Secretaria Especial de Políticas para as Mulheres (SPM), subordinada à Presidência, disse que, com a PEC, “o governo queria apagar a mancha de discriminação que estava presente na Constituição” em relação à categoria.

“Não se conseguiu fechar os estudos, que são complexos. E a elaboração da PEC não depende apenas da secretaria. Não é fácil, pois há implicação financeira, custos”, afirma Eunice Léa de Moraes, gerente de projetos da subsecretaria de Articulação Institucional da SPM.

A SPM solicitou aos ministérios envolvidos na elaboração da PEC a formação de um novo grupo de estudos, mais enxuto, para reiniciar a discussão. “A ideia é extinguir o parágrafo único do artigo 7º da Constituição Federal”, diz Moraes.

Esse parágrafo limita os direitos das domésticas. A Constituição estabelece 34 direitos para os trabalhadores em geral e nove para os domésticos.

“As discussões sobre a legislação para as domésticas não avançaram. É preciso entender que os poderes Executivo, Legislativo e Judiciário são feitos por patrões. Não podemos nos iludir e achar que vai ser fácil aprovar mudança na legislação das domésticas. Isso não depende só do presidente Lula.

 

Depende de ministros, senadores, deputados e sociedade civil”, afirma Creuza Maria Oliveira, presidente da Federação Nacional das Trabalhadoras Domésticas, com 35 sindicatos filiados e ligada à CUT (Central Única dos Trabalhadores).

O governo voltou atrás nas discussões para ampliar os direitos das domésticas porque ficou em dúvida se era o caso de agradar à maior categoria profissional do país e desagradar à classe média, que é quem paga as domésticas, na avaliação do advogado Luis Carlos Moro.

“O governo foi hesitante em relação à matéria e não conseguiu conciliar as diferenças internas. Quem vai se habilitar a ser pai das domésticas e padrasto da classe média? Nenhum político quer assumir esse ônus, especialmente neste ano de eleição”, diz Moro.

Cerca de 73% dos trabalhadores domésticos (4,89 milhões de pessoas) trabalham na informalidade -não têm carteira assinada. “É justo o trabalhador doméstico ter os mesmos direitos de outros empregados. Só que haverá elevação de custo para os empregadores, o que poderá resultar em elevação da informalidade”, diz o consultor Mario Avelino, fundador do site Doméstica Legal.

Tiro no pé
Se os direitos dos trabalhadores forem estendidos às domésticas, quem paga um salário mínimo de R$ 510 por mês, por exemplo, teria de desembolsar mensalmente mais 8% de FGTS (R$ 40,8), sem contar horas extras, se a jornada de 44 horas semanais for excedida, além de férias e 13º.

O empregador teria ainda de pagar mais R$ 61,20 de contribuição ao INSS, que hoje é de 12%, e 40% de multa sobre o total do saldo depositado no FGTS, se a empregada for demitida sem justa causa. “A equiparação de direitos pode significar um tiro no pé do emprego doméstico.”

Para Avelino, o governo deveria ter iniciativas para reduzir os encargos, como diminuir as alíquotas para contribuição previdenciária do empregador e da empregada e possibilidade de descontar gastos com doméstica do Imposto de Renda. Projetos que defendem essas políticas já estão no Congresso.

Para Luiz Salvador, presidente da Abrat (Associação Brasileira dos Advogados Trabalhistas), a sociedade não quer mudanças na lei das domésticas. Paulo Pereira da Silva, presidente da Força Sindical, diz que parte do Congresso não quer “arrumar encrenca com a classe média”. “O ideal seria a união de 10 ou 12 deputados para fazer um projeto de lei. Nesse caso, entendo que Lula não vetaria o projeto.”

Fonte: Folha de São Paulo

+ sobre o tema

Negras movimentam R$ 704 bi por ano, mas são escanteadas pela publicidade

Mulheres pretas e pardas formam o maior grupo da...

Transexual sofre agressão após usar banheiro feminino em bar, em Araraquara; veja relatos em vídeo

Amigo pediu esclarecimento e levou três socos; polícia se...

Médica é morta a facadas em apartamento em Mogi das Cruzes

Marido é o principal suspeito pelo crime; ele tentou...

Como se sente uma mulher

Aconteceu ontem. Saio do aeroporto. Em uma caminhada de...

para lembrar

Após morte, campanha tenta proteger mulheres de falsos motoristas de aplicativo

A #Whatsmyname, criada nos EUA, pede que passageiras verifiquem...

Criola abre inscrições para criação do Selo Comemorativo de 30 anos

2022 marca três décadas de atuação de Criola, organização...

Recheados de estereótipos, sites unem alemães a esposas brasileiras

Antropóloga analisou sites e agências de casamento especializadas em...
spot_imgspot_img

Sueli Carneiro analisa as raízes do racismo estrutural em aula aberta na FEA-USP

Na tarde da última quarta-feira (18), a Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária da Universidade de São Paulo (FEA-USP) foi palco de uma...

O combate ao racismo e o papel das mulheres negras

No dia 21 de março de 1960, cerca de 20 mil pessoas negras se encontraram no bairro de Sharpeville, em Joanesburgo, África do Sul,...

Ativistas do mundo participam do Lançamento do Comitê Global da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver

As mulheres negras do Brasil estão se organizando e fortalecendo alianças internacionais para a realização da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem...
-+=