“Cê lembra daquela famosa ‘lista das meninas mais bonitas da sala’ que os meninos faziam no ginásio?”.
Foi a pergunta que uma colega trouxe a tona numa reunião. E eu parei por dois minutos pra pensar… Claro que eu lembrava da lista e lembrava também em qual posição da lista eu me encontrava. Como poderia esquecer?
por Lorena Pacheco via Guest Post para o Portal Geledés
As ditas meninas mais belas da sala, do colégio ou da rua não se diferem muito do padrão Globo: sempre brancas, altas, magras, de cabelos longos e lisos, de preferência com os olhos claros… Nossa! Essa seria a mais querida, a “bonequinha”, “princesa”, “barbie” e tantos outros carinhosos adjetivos. E nós, mulheres menos bonitas, as últimas da tal lista, éramos as negras, gordas, do cabelo “ruim” e traços grossos.
Mas isso não tem nada a ver, não é? É uma questão de gosto…
É uma questão de “gosto” dos homens sempre escantearem as mulheres negras e sempre subjugar a nossa beleza. Deve ser por acaso que nós, negras, sempre ocupamos as ultimas posições das listas de mais belas. Deve ser apenas coincidência que as mulheres negras tenham dificuldades em estabelecer um relacionamento afetivo. Deve ser mesmo uma questão de “gosto” quando os homens dividem as mulheres para se divertir e mulheres para namorar, e sempre colocam as negras na categoria “diversão”…
Mas olha, eu sei, não tem nada a ver com o racismo estruturante na nossa sociedade. É tudo uma questão de gosto!
Nós somos indivíduos construídos socialmente, portanto o gostar, o achar belo, o querer, o desejar são sentimentos que possuem total influência das relações intersubjetivas que vivenciamos cotidianamente, sobretudo pelos conteúdos jorrados pela mídia que perpassam pelos desenhos e filmes da Disney com Princesas maravilhosas (e brancas, de cabelos lisos e magras) até as modelos e atrizes de filmes de Hollywood (não por acaso brancas, magras e de cabelos lisos).
Daí a gente percebe que desde pequenos somos ensinados a construir um conceito hegemônico sobre o que é “ser bonito” (ou não). E perceber desde cedo que você não se encaixa naquele padrão de beleza é cruel e doloroso, pois mesmo que não se verbalize a palavra “FEIA”, o sentimento de não-pertencimento estará internalizado e trará consequências graves.
Quantas mulheres/meninas negras alisam os cabelos antes dos 13 anos? Quantas mulheres negras fazem cirurgia para diminuir o nariz/seio/lábios? Isso é atoa? Será que isso é questão de “gosto”?
E hoje eu me dei conta de tudo isso… Hoje eu percebi o quanto eu quis estar dentro dos padrões e ser aceita, e ser bonita e estar lá entre as primeiras. Mas eu percebi também que não valeu a pena todos esses anos em que eu estive lutando contra minhas raízes para tentar ser algo que não sou… E, doeu. Doeu cada dia em que eu quis ser “morena”, “parda” ou “café-com-leite”. Doeu ter que alisar meus cabelos e negar minha identidade negra.
E por uma questão de gosto to deixando meu cabelo natural crescer. Por uma questão de gosto eu reafirmo todos os dias que sou NEGRA. Por uma questão de gosto eu resolvi desconstruir esse gosto racista que eu tinha internalizado. Por uma questão de gosto eu resolvi ser eu.