“O ponto mais alto e mais equilibrado da prosa realista brasileira acha-se na ficção de Machado de Assis”.
A definição é de Alfredo Bosi, crítico literário e professor emérito da Universidade de São Paulo, no livro História Concisa da Literatura Brasileira.
No ano em que completa 110 anos de sua morte, Joaquim Maria Machado de Assis é celebrado entre admiradores diversos: desde leitores que ainda não conhecem a ironia fina e não convencional que chocou a população carioca do século XIX, até escritores e pesquisadores, que seguem descobrindo novos focos de discussão sobre a obra machadiana. A recepção complicada de Machado de Assis explica-se pelo contexto literário da época.
Enquanto José de Alencar se dedicava ao romance indianista, ressaltando aspectos de montanha e rio das terras brasileiras, Machado estava interessado em revelar as contradições da mesquinhez humana, com todas as nuances de uma sociedade escravocrata.
Autor de “Machado de Assis: o escritor que nos lê”, Hélio Seixas Guimarães, professor no curso de Letras da USP, fala sobre produção inicial machadiana. “Ele começa sua carreira na literatura produzindo muita poesia e peças de teatro, sendo muito valorizado por isso. A estreia dele no romance teve uma assimilação difícil, provocando muita estranheza nos leitores. Eles não sabiam muito bem o que era aquilo”, diz.
O escritor Dau Bastos corrobora a opinião de Hélio, ressaltando que “a partir de Brás Cubas houve um desconcerto completo do leitor da época. Ele é visto como alguém que ninguém sabia precisar. Machado colocou a literatura brasileira no lugar mais importante do Ocidente”, comenta.
Considerado um dos maiores críticos da obra de Machado de Assis, Roberto Schwarz assinala em “Um mestre na Periferia do Capitalismo” que a técnica narrativa de Memórias Póstumas de Brás Cubas resolvia questões do destino ideológico-moral da organização social da época.
Publicado em 1881, o livro é considerado um marco na obra machadiana, ao destacar a maturidade do escritor e a inauguração da fase realista, deixando para trás o romantismo.
Hélio Seixas Guimarães destaca a ironia presente em Memórias Póstumas de Brás Cubas como fator determinante na obra que se tornou um clássico da narrativa nacional. “A ironia presente ali não é simplesmente inverter o sentido, mas de abrir várias possibilidades. São intervalos de sentido. Foi possível ler Machado de Assis pensando que aquilo é sério ou para ser lido literalmente. Mas é possível interpretar o texto de várias maneiras”, comenta.
Ao londo do tempo, Machado de Assis teve sua obra questionada por, aparentemente, não questionar de maneira mais direta problemas latentes do século 19 no Brasil, como a escravidão.
O escritor Dau Bastos ressalta que pesquisadores têm se dedicado a desfazer o que, para ele, tornou-se um erro de avaliação da obra machadiana. “Em 2008 houve um movimento para revelar um Machado abolicionista. Com ele era muito criterioso, e por isso nunca fez um livro de crônicas, tínhamos uma imagem distorcida dele. A partir daí, alguns pesquisadores, com John Gledson, descobriram um Machado que defendia em textos diversos a abolição da escravatura. Acabaram os problemas de ordem política contra Machado de Assis”, explica Dau.
Machado de Assis está entre as leituras obrigatórias de alguns vestibulares do país. A FUVEST, para quem deseja ingressar na Universidade de São Paulo, pede a leitura de Memórias Póstumas de Brás Cubas. No processo seletivo da Unicamp, a exigência é a leitura do conto O Espelho.
Machado de Assis foi fundador e primeiro presidente da Academia Brasileira de Letras. Ele faleceu no Rio de Janeiro, no dia 29 de setembro de 1908, aos 69 anos.
Edição: Michele Carvalho