Livros de autores pouco conhecidos de nossa literatura se pautam pela poesia e pela vida

Marcos Alcântara, Ana Dos Santos e Viviane de Paula escrevem sob a marca emocional

A literatura contemporânea tem produzido uma fartura de bons livros. Além do belo texto, costurado com qualidade, cuidado gráfico e o esmero editorial que permeiam tais produções, muitos desses autores ainda ficam à margem do alcance do grande público.

Em síntese, é o caso de três autores desconhecidos e quase estreantes: Marcos Alcântara, da cidade de Itabira, em Minas Gerais; Ana Dos Santos, de Porto Alegre, no Rio Grande do Sul; e Viviane de Paula, de Campinas, na grande São Paulo.

Lidos pela perspectiva do valor inerente a cada um desses livros, dentro do aspecto literário, o que temos são autores confinados, muitas vezes, sem a projeção necessária da dimensão que suas verdadeiramente obras merecem.

Em “Um Minuto de Atenção, por Favor” (editora Viseu), de Marcos Alcântara, por exemplo, o autor se lança no mundo da ficção através da escrita de contos. Sem tirar nem pôr, este é um livro de dimensão emocional. São 33 narrativas curtas, permeadas de forte lirismo e de uma poesia em prosa que nos toca e emociona.

Autor Marcos Alcântara – Arquivo Pessoal/Arquivo Pessoal

“Quando, realmente, eu vou encontrar a pessoa certa?”, a pergunta enigmática brota do livro para o universo de nossa mente. Não chega a ser um livro perturbador, embora a temática sugira, mas é um livro que se propõe abrir portas por tratar de relacionamentos, afetos e dor existencial. Alcântara, em sua estreia como contista, apresenta obra de dimensão poética, sensível e profunda.

Escritor mineiro da terra sagrada do poeta Carlos Drummond de Andrade e do artista sacro Alfredo Duval, Marcos Alcântara tem a sensibilidade literária e artística que faz jus ao lugar onde nasceu, tangendo uma narrativa urbana, sem floreios e diretamente ligada a desafios.

Nascer na terra do maior poeta moderno brasileiro, impõe grandes desafios; o primeiro deles, vencido com segurança por Alcântara, é do talento. Por outro, advém de sua parcela criativa —daí se junta ao santeiro da cidade conhecida pelo seu famoso minério de ferro e pela fotografia na parede.

Na outra ponta desses autores, está a poeta gaúcha Ana Dos Santos. Ela agora lança “Maiúscula” (editora Libretos), livro que parece uma imersão, forjada a partir da pandemia, mas que viaja, de forma sensível, pelo seu universo erótico —algo já experimentado por ela em “Poerotisa”, de 2019.

A autora Ana dos Santos com seu livro ‘Poerotisa’

No seu novo livro de poemas, dividido em três partes, Dos Santos carrega “nas letras pretas, eróticas e pornográficas”. Nunca desiste —ao contrário “persisto e insisto”, com confessa. É um livro também ancestral, e que, ao mesmo tempo, bate de “frente com a casa grande”. Em “Mar pretuguês”, termo que lembra Lélia Gonzalez, ela diz: “Quantos filhos em vão nasceram?/ Quantas famílias se separaram?/Para enriquecer Portugal, ó mar!”.

Na última parte do livro, intitulada “Afro Disíacas”, Dos Santos aprofunda o principal sentido de sua atual poesia, a pegada erótica. “Os lençóis/ainda estão/estampados/com nossas/marcas d’água”. Em outro poema, reverbera: “Clitóri-se, mulher!/8.000 terminações nervosas/esperando pra vibrar/no seu corpo inteiro”. E fecha, dizendo: “Solitária é aquela/cujos prazeres/dependem/da permissão/alheia”.

Depois de Marcos Alcântara e Ana Dos Santos, temos a poesia de “Flores Roxas” (editora Patuá), de Viviane de Paula. Essa poeta paulista, traz para o universo do verso, a experiência de suas viagens pelo mundo, a cólera e a confissão que permitem acessar a “moradia em suas preces”.

A autora Viviane de Paula com seu livro ‘Flore Roxas’, da editora Patuá – Arquivo Pessoal

De Paula evoca de Carolina Maria de Jesus a Conceição Evaristo, passando Maria Firmina dos Reis a Elizandra Souza. Ou seja, as mulheres poetas negras habitam sua escrita. “Reconhecer a hora de dizer adeus/É mais do que aceitar a solidão do breu/E dos afetos que não mais serão teus.”

Os três autores, embora diferentes em si, falam de perdas, amores, sentimentos, (des)esperanças de viver e de existir. O dia e a noite, o mundo em ebulição, tudo orbita nos seus escritos, assim como a visão de um casal de beija-flores “se bicando”, como registra Alcântara. Assim como para Dos Santos, “a mulher atrás do batom,/é risonha, complexa e forte.” Totalmente drummondiana. Já De Paula, objetivada nas “coisas que desconheço”, declara-se: “Parte de mim, feito cristais, já se partiu.”

Como vemos, três autores, três livros e uma experiência de imersão diferente e tocante. O término dessas leituras nos provoca a sensação de um alívio absoluto.

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