Retrato do autor de ‘Dom Casmurro’ foi publicado por revista argentina em janeiro de 1908, oito meses antes de ele morrer. ‘
Por Cauê Muraro, G1
Machado de Assis em imagem publicada na revista argentina ‘Caras y Caretas’, em seu nº 486, de 25 de janeiro de 1908; a foto pode ser considerada o último retrato do autor (Foto: Caras y Caretas/Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España)
De traje formal, casaca inclusive, o senhor de barba e cabelos brancos coloca a mão esquerda na cintura e olha meio de lado para a câmera através dos óculos pincenê. É Machado de Assis aos 68 anos.
Publicada originalmente em 25 de janeiro de 1908 na revista semanal argentina “Caras y Caretas”, a foto do escritor acaba de ser redescoberta pelo pesquisador independente Felipe Pereira Rissato.
De acordo com o Rissato, o retrato era desconhecido – e trata-se, possivelmente, do último do autor. “Certamente é dos três meses finais de 1907 ou mesmo de janeiro de 1908”, afirma o ele ao G1. Machado de Assis morreu 29 de setembro de 1908, aos 69 anos.
O registro foi encontrado na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España, disponível on-line.
“Esta passa a ser a sua última fotografia feita em vida. Enquanto que a imagem que ocupava essa posição era a do escritor sendo acometido pelo ataque epilético, na qual não é possível sequer ver seu rosto”, diz o pesquisador.
Machado de Assis aos 25 anos, em foto feita por Insley Pacheco em 1864; pertencente à coleção particular de Ruy Souza e Silva, o original traz a dedicatória: ‘A F[rancisco] Ramos Paz, excelente amigo/Machado de Assis’ (Foto: Insley Pacheco/Coleção Ruy Souza e Silva)
“Ademais, temos Machado de corpo inteiro e sozinho, algo que até então só havia sido observado em dois retratos de sua primeira sessão fotográfica, feita aos 25 anos (1864) no estúdio de Insley Pacheco, e mesmo assim, sentado. Mais tarde, acreditava-se que as lentes somente teriam capturado Machado de corpo inteiro rodeado por amigos.”
Para Rissato, “o que pode ter contribuído para que a imagem de Machado ora apresentada não tivesse sido referenciada anteriormente é o fato de sua publicação em revista estrangeira, a exemplo de uma imagem dele aos 61 anos, publicada na revista ‘Brasil-Portugal’, de Lisboa, em 1900 e descoberta em 2016”.
Há dois anos, o mesmo pesquisador havia encontrado a única imagem de Machado de Assis presidindo uma sessão da Academia Brasileira de Letras (ABL), feita em 1905.
Há oficialmente 38 registros catalogados do autor de “Memórias póstumas de Brás Cubas” e “Dom Casmurro”. O conjunto apareceu reunido pela primeira vez em dezembro de 2016, na “Revista Brasileira”, publicação da ABL.
Naquela edição, Rissato escreveu o ensaio “Iconografia fotográfica de Machado de Assis”, no qual explicava que a última foto de Machado de Assis datava de 1º setembro de 1907 (veja acima).
Mas, daquela imagem, dá para ver muito pouco de Machado de Assis – apenas a parte de trás da cabeça.
Ele (mal) aparece sentado num banco da Praça XV, no Rio, e é amparado por um homem. Um segundo sujeito parece abaná-lo, vários outros observam. O escritor tinha acabado de sofrer um ataque epilético.
“O Dr. Maxado [sic] de Assis acometido de uma síncope no cais de Pharoux”, escreveu o fotógrafo Augusto Malta na identificação.
‘Machado: homem público do Brasil’
Matéria intitulada ‘Homens ilustres do Brasil’ publicada na revista semanal argentina ‘Caras y Caretas’ de 25 de janeiro de 1908 mostra foto de Machado de Assis; imagem é possivelmente o último retrato do autor feito em vida (Foto: Caras y Caretas/Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional de España )
É bem outro o Machado de Assis que vemos na foto agora reencontrada: está de corpo inteiro, posa num jardim.
O retrato saiu em uma matéria de página e meia na “Caras y Caretas” número 486. O título era “Homens públicos do Brasil”.
A revista argentina dá pouquíssima informação sobre o registro. Lê-se somente a seguinte legenda: “El escritor Machado de Assis presidente de la Academia de la Lengua Brasileña”.
Não há qualquer indicação sobre a ocasião em que a foto foi feita.
“Vale lembrar que Machado, como homem público, comumente participava de banquetes”, lembra Felipe Pereira Rissato.
O pesquisador cita três eventos do período aos quais Machado de Assis comprovadamente compareceu, dizendo ser grande a chance de a imagem ter sido registrada em algum deles:
- o banquete oferecido pela ABL ao historiador italiano Guglielmo Ferrero, em 31 de outubro de 1907 no Alexandra Hotel;
- o almoço oferecido pela Câmara dos Deputados aos políticos Carlos Peixoto e James Darcy, na Associação Comercial do Rio de Janeiro, em 29 de dezembro de 1907;
- o banquete oferecido pelo Ministério das Relações Exteriores à esquadra da Marinha norte-americana, no Palácio Monroe, em 20 de janeiro de 1908, cinco dias antes da publicação daquela edição de “Caras y Caretas”.
Rissato também afirma que uma das imagens que aparecem ao lado da foto de Machado na revista mostra o engenheiro Paulo de Frontin logo após ele ter voltado da Europa.
“Pesquisei, o regresso dele se deu no dia 9 de dezembro de 1907. Ou seja, um mês e meio depois a revista estampou a imagem. Com Machado, foi uma pena a revista não ter contextualizado a ocasião em que foi feita.”
Rissato comenta que “Machado teve intensa atividade até o fim da vida”.
“Mesmo após a morte de sua esposa Carolina, em 1904, sua companheira de 35 anos e que muito o abatera, o escritor, embora profundamente golpeado aos 65 anos, continuou trabalhando como diretor-geral do Ministério da Indústria, Viação e Obras Públicas e participava ativamente das sessões da ABL, por ele presidida, tomando parte em inúmeros banquetes e eventos sociais da elite carioca.”
‘Machado mais abatido’
Rissato conta que chegou a cogitar a possibilidade de a nova fotografia ser, na verdade, um registro desconhecido de um almoço de 8 de setembro de 1906 oferecido pelo prefeito Pereira Passos ao ministro plenipotenciário da Colômbia, Rafael Uribe.
No evento, foram feitas fotos no jardim do Clube dos Diários (Cassino Fluminense). Aquelas em que Machado de Assis aparece já estavam catalogadas (veja, acima, uma delas).
“Mas a foto que saiu na ‘Caras y Caretas’ não foi feita na mesma ocasião. Machado está com roupa diferente, gravata diferente. E ele está mais velho do que em 1906. Nesta de 1908, ele já está um pouco mais debilitado.”
Para atestar que o Machado de Assis da imagem agora encontrada está mesmo mais velho do que aquele de registros anteriores, Rissato recorreu ainda à última fotografia do escritor feita em estúdio, de autoria de L[uiz] Musso & Cia., em fevereiro de 1907 (veja abaixo).
Machado de Assis aos 67 anos, em foto do estúdio L[uiz] Musso & Cia, de fevereiro, 1907; acredita-se que esta é a última foto do escritor feita em estúdio. Ela foi enviada a Alfredo Pujol, com autógrafo e data: ’18-2-1907′. O original pertencente à Família de Mário Alencar tem a dedicatória: ‘Ao meu bom amigo Mário de Alencar / Machado de Assis / 1907’. (Foto: L. Musso & Cia./Coleção Ruy Souza e Silva)