Mais uma denúncia de racismo em shopping center paulista. Por Donato

A história se repete. Há dois dias, o menino G.L.V. (11 anos) foi ao McDonald’s junto com a mãe e a irmãzinha. Depois de lancharem, o trio dirigiu-se ao Shopping Bourbon, ali perto.

Por Mauro Donato, Do DCM

Ilustração escrito "Racismo é crime, Denuncie"
Geledés

Um pouco antes de ultrapassarem a porta, a menininha deixou cair um brinquedo, fato não percebido pela mãe. O garoto então voltou para pegar o brinquedo enquanto sua mãe entrou no centro comercial, distanciando-se alguns passos.

Ao tentar entrar, G.L.V. foi barrado pela segurança.

É preciso dizer a cor de pele dele?

Notando a ausência do menino, a mãe voltou-se para trás e deu de cara com a cena. Ela interpelou os seguranças, afirmou que aquele era seu filho e perguntou o motivo pelo qual estava sendo barrado.

A resposta foi clássica. Ouviu que “nas redondezas há muitas crianças que vão ao local pedir dinheiro” e pensaram que “o menino estaria sozinho e na mesma situação”.

Os vigias pediram desculpas, porém a mãe fez o que devia ser feito. Chamou a polícia. Um B.O. eletrônico foi realizado, sendo que “por alguma divergência”, o boletim está com o acesso negado.

No dia seguinte (ontem) a mãe, acompanhada do advogado Ariel de Castro Alves, foi até a delegacia e fez novo boletim com base no artigo 20 da lei 7716 (Art. 20 – Praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional).

A pena prevista é de reclusão de um a três anos e multa.

“Mais um caso grave de racismo e discriminação social e econômica. E se fosse mesmo um menino em situação de rua e abandonado? Não poderia entrar no shopping? Estamos sim num país racista. A Constituição Federal proíbe qualquer forma de discriminação e existem leis que definem os crimes resultantes de preconceito de raça ou de cor”, disse o advogado Ariel.

De fato, as leis existem. Obedecê-las é que são elas.

O menino está abalado e constrangido com a situação. Tem dito que foi o pior dia de sua vida.

O Shopping Bourbon emitiu a seguinte nota: “Com relação ao episódio, a empresa informa que os seguranças agiram em conformidade à orientação de abordar qualquer menor de idade desacompanhado que ingresse no shopping, e reforça que a atitude dos profissionais visa única e exclusivamente à proteção deste público. A empresa ressalta que repudia qualquer forma de racismo ou ato discriminatório”.

Que novidade, não? Quantas notas iguais a essa já lemos?

Esse mesmo shopping, em março deste ano já havia emitido nota idêntica. Na ocasião, Raquel Virgínia, negra, uma das vocalistas da banda As Bahias e a Cozinha Mineira, estava fazendo compras no local e presenciou os seguranças em ato discriminatório contra adolescentes negros. Ao abordar a segurança, foi chamada de puta.

Shoppings são reincidentes eternos. Em fevereiro deste ano, um outro desses centros higienistas causou enorme indignação. O Shopping Higienópolis havia entrado com um pedido para que seus seguranças apreendessem crianças ‘indesejáveis’ e entregassem-nas à Polícia Militar.

Crianças indesejáveis são, na visão da administração do local, aquelas em situação de rua da vizinhança. A imensa maioria, obviamente, negra.

O escandaloso caso de racismo provocou um protesto de movimentos sociais dentro do estabelecimento.

Em poucos dias uma comissão de vários grupos ligados às causas da criança e do adolescente, da população em situação de rua, do movimento negro, da igualdade racial, juntamente com representantes da Defensoria Pública e da Comissão de Direitos Humanos conseguiu uma reunião com advogados do shopping.

Exigiram não somente o fim daquela atitude asquerosa como cobraram uma contrapartida social frente a uma corporação gigante e altamente lucrativa.

Se aquele shopping tomou uma lição definitiva só o tempo dirá, mas os demais pelo que se vê, estão pouco se lixando.
Até onde vai isso? Negros e pobres são obrigados a viver fora de centros de compras?

Em supermercados temos visto episódios de negros receberem chicotadas e choques elétricos, levarem um mata-leão e sufocar até morrer.

“Tenho medo de voltar ao seu país. Estão proibindo as pessoas de serem negras”, escreveu Valter Hugo Mãe em uma carta aberta ao colega – também escritor – Marcelino Freire publicada hoje no The Intercept de Glenn Greenwald. O título é “Não deixe que acabem com a maravilha do Brasil”.

Sinto muito, caro Valter. Isso aqui já é Bacurau.

Leia também:

Advogado boliviano acusa shopping Bourbon e Motorola de racismo: “me chamaram de ladrão e demônio”…

Cantora Raquel Virgínia relata racismo no Shopping Bourbon em SP

+ sobre o tema

Polícia que mata muito demonstra incompetência de governos de SP, RJ e BA

Ninguém em sã consciência espera que um policial lance...

Fome extrema aumenta, e mundo fracassa em erradicar crise até 2030

Com 281,6 milhões de pessoas sobrevivendo em uma situação...

Eu, mulher negra…

EU, MULHER NEGRA…Eu, mulher negra…Tenho orgulho de quem sou...

para lembrar

Decisão da Justiça liberta suspeito de racismo preso com neonazista

João Matheus Vetter de Moura, de 20 anos, suspeito...

Corregedoria da Câmara de SP aprova cassação de vereador por fala racista

A Corregedoria da Câmara Municipal de São Paulo aprovou...

Outro Olhar mostra soluções para vencer o racismo

  Para combater a discriminação, esta...

Curiosidade sobre como vivem pobres alimenta turismo nas favelas

No início do século 20, a curiosidade sobre como...
spot_imgspot_img

James Cone, teologia negra da libertação e luta antirracista

No dia 28 de abril de 2024, completa-se 6 anos da morte do pastor e teólogo James Cone, o sistematizador da teologia negra. Esta...

Com a mão erguida e o punho cerrado eu grito: fogo nos eurocêntricos cientistas-cientificistas

A verdade é que esse mundo é uma Ameaça. Uma Ameaça a certas gentes. Uma Ameaça a certas não-gentes. Uma Ameaça a redes, a...

Aluna ganha prêmio ao investigar racismo na história dos dicionários

Os dicionários nem sempre são ferramentas imparciais e isentas, como imaginado. A estudante do 3º ano do ensino médio Franciele de Souza Meira, de...
-+=