Manifesto pede que candidaturas respeitem Estado laico; mil pastores disputam eleição

Enviado por / FonteDo Brasil de Fato

Cerca de 80 organizações da sociedade civil e centros religiosos assinaram um manifesto, divulgado na semana das eleições municipais, para pedir comprometimento das candidaturas com a laicidade do Estado.

O Brasil é um Estado laico há 130 anos. Ou seja, desde 1890, diferentes legislações estabelecem que o governo não tem posição religiosa definida e que todo cidadão tem liberdade de praticar sua religião. Além disso, o Estado também deve evitar que grupos religiosos exerçam interferência em questões políticas.

“Nosso país vive uma onda crescente de ódio, de violências raciais, de classe, gênero e religiosas. Não podemos reeditar a história de opressão, perseguição e discriminação religiosas, patrocinada pelo fascismo (ou pela ideia de que há um Deus verdadeiro e um Deus falso)”, diz o manifesto.

Segundo levantamento do portal Metrópoles, 2.093 candidatos nas eleições 2020 se identificam como líderes religiosos. A maioria são pastores, 1.012. A lista também inclui padre, bispo, reverendo, apóstolo, pai e mãe de santo.

Denúncias de intolerância religiosa aumentaram 56% no Brasil em 2019. Os ataques a religiões de matriz africana são os mais numerosos.

O manifesto ressalta que as candidaturas também devem assumir o compromisso de promover uma educação que respeite a diversidade de crença. “As escolas públicas municipais não podem ser espaços de discriminação religiosa, mas de promoção do respeito e do convívio entre as diferentes escolhas religiosas”, defendem os autores.

Confira o manifesto “Eleições e laicidade do Estado” na íntegra:

“As eleições do próximo domingo ocorrem em meio a um processo pandêmico mundial, o que dificultou o amplo debate sobre as candidaturas e suas propostas de governo. Face a esse processo conturbado e tão importante para a consolidação de um Estado realmente democrático e representativo, apresentamos o presente manifesto, afim de expressar nossas preocupações e aspectos que compreendemos relevantes serem considerados por candidaturas comprometidas com um Estado democrático e de direito.

Precisamos de candidaturas comprometidas com a concepção de que Estado laico não é um Estado religioso, nem ateu. O Estado laico não estabelece relações de privilégio com nenhuma tradição de fé, mas zela para que todas possam expressar-se sem o risco de sofrer intolerância e perseguição. O Estado laico assegura que as pessoas escolham ter religião ou não. Todas as pessoas deverão ser respeitadas em sua opção.

Que seja assegurado o direito às mais diversas formas de organização religiosa, sem que as essas sejam objeto de questionamento pelo Estado, por suas práticas e/ou formas de organização;

Que os espaços públicos não sejam espaços utilizados para manifestações religiosas de qualquer natureza, considerando o princípio de laicidade como universal. No entanto, quando existirem espaços públicos ou capelanias específicas que estes considerem e incluam a diversidade religiosa e não somente de símbolos ou capelanias religiosas de uma única tradição;

Que as pessoas candidatas assumam compromisso com a não banalização dos sagrados, em suas variadas manifestações, que conformam a sociedade brasileira; • Que as pessoas candidatas assumam o compromisso com a diversidade e a liberdade religiosas e para a consolidação de uma laicidade que não discrimine segmentos religiosos;

Que as pessoas candidatas assumam o compromisso de defesa e promoção de uma educação que respeite a diversidade das pertenças religiosas dos estudantes. As escolas públicas municipais não podem ser espaços de discriminação religiosa, mas de promoção do respeito e do convívio entre as diferentes escolhas religiosas.

Que as pessoas candidatas reconheçam a importância e a contribuição de todas as práticas religiosas como forças e presenças públicas que cuidam da vida, da natureza, da liberdade e da democracia, sem que, com isso, se fortaleça a ideia de um Estado Teocrático, ou seja, de um Estado que agi em nome de um Deus para a restrição das liberdades e das diversidades religiosas e para a perseguir grupos religiosos compreendidos como não devotas ao Deus representado no e pelo Estado.

Nosso país vive uma onda crescente de ódio, de violências raciais, de classe, gênero e religiosas. Precisamos estar atentos ao fato de que não podemos reeditar a história de opressão, perseguição e discriminação religiosas, patrocinada pelo fascismo (ou pela ideia de que há um Deus verdadeiro e um Deus falso).

É tarefa de todas as pessoas, em especial das escolhidas pelo voto para ocupar os espaços de representação política assumir o compromisso com um projeto de município menos discriminador e pautado por exclusivismos e privilégios de um pequeno percentual de pessoas.

Precisamos de municípios valorizem e promovam a pluralidade e a diversidade como patrimônio imaterial.

A esquerda brasileira necessita compreender que as diversas rupturas democráticas ocorridas no país, sendo a última ocorrida em 2016, tiveram a contribuição e o papel ativo de segmentos religiosos conservadores aliançados com o poder econômico e político.

O Brasil, hoje, vive as consequências por nunca ter considerado a laicidade do Estado como um princípio democrático fundamental, estabelecendo relações privilegiadas com grupos religiosos que defendem interesses do grande capital. A ambiguidade do Estado brasileiro em relação ao princípio da laicidade contribuiu para o crescimento e consolidação de segmentos religiosos de cunho fascista ou autoritário, mascarado de religião popular.

Estes segmentos religiosos têm projeto político próprio, são antidemocráticos e reivindicam um Estado teocrático, que se compreende como o poder divino e soberano de decidir quem vive e quem morre.

As eleições do próximo domingo se constituem como uma das alternativas de transformação desse quadro. Elas oferecem a chance de debater e construir um projeto de país desde os municípios. Que possamos eleger pessoas comprometidas com um Estado laico, livre e libertador para que o racismo religioso, a discriminação religiosa contra mulheres e pessoas LGBTQI+ se tornem passado.

Assinam: CENARAB – Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro Brasileiro CONIC-Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil; CONEN – Coordenação Nacional de Entidades Negras; Associação Nacional Cultural de Preservação do Patrimônio Bantu – ACBANTU Federação Nacional de Umbanda e Cultos AfroBrasileiros; União de Negras e Negros Pela Igualdade Unegro; FOESP – Fórum Nacional de Cultura e Religião Africana; FAOR Fórum da Amazônia Oriental; Paulo Paim – Senador da República do Brasil; INESC Instituto de estudos socioeconômicos; Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social; Associação Internacional Mayle Sara Kali – AMSK/Brasil; Ilê Wopo Olojukan; REUNESUAS – Rede de Usuários, organizações, entidades e trabalhadores pelo SUAS; Articulação Amazônica dos Povos e Comunidades Tradicionais de Terreiro de Matriz Africana – ARATRAMA; Museu da Costa do Dendê de Cultura Afro Indígena; Instituto. N. S. da Conceição – INOSECO; Associação Cultural Logun Ede; Associação Acultema; Axé Abassa de Ogum; Abassa de Nana e Casebre Pai Tião do Congo; Amankay Instituto de Estudos e Pesquisas; Aspen Network of Development Entrepreneurs; Associação Cultural Ilé Asé Ibatan Ode Akueran; Associação de Desenvolvimento Sócio Cultural Toy Badé – ATB; Associação da Resistencia Cultural e da tradição Matriz Africana Ilé Asé Igbô Odé Associação Nossa Senhora da Conceição do Mindu; Associação Beneficente Oxum Opará de Iranduba; Associaçao Resistencia Cultura Afro Brasileira Casa Espirita Umbandista São Sebastiao Bakisso Ty Matamba; Casa do Caboclo Ubirajara e Pai Severo de Massambique; Casa Mãe Rosa de Aruanda; Casa de Umbanda Caboclo Lança Ligeira; Centro Espirita Cultural Pai Joaquim da Praia Vermelha; Centro Espirita Pai João de Aruanda; Centro Espirita Pai Tomaz; Centro Cultural Matriz Africana São Lázaro; Centro de Candomble Reino de Mamãe Oxum; Comunidade Caxuté; Ilé asé Oyá kurugessi; Ilê Asé Ni Fé Oya Balé; Ilê Aşe Omodejy Ati Ogum; Ilê Aşe Omodejy Ati Ogum; Ilê; Axé Opo Oranimã; Ilé Aşe Opo Oyá; Ylê Asè Ogundayo; Ile de Candomblé da Mãe Oxum; Nzo Kuna Hoxibandu Kia Nkosi; Nzu Manzo Matamba; Nzo Ngana Kupamenya Hongoró;ONG Ipe Rosa-Organização; Ponto de Cultura Tambor de Mina: História, Memória e Tradição Roça Bakisse Ki Inkisi; Tenda Espírita Sháshárá Dy Obaluaiê;Tenda Luz da Divina Umbanda;Terreiro do Bem Viver Nzo Lwangu / Taperoá BA; Unzo Atim Obatalocy; Unzo Atim Nzaze Ya Omim; Xwɛgbɛ́Acɛ́Minà Geeji Fɔngbe Vodún Xɛbyosò Gbàdé; Nzo Nguzu Kukia; Nzo Manzo Poço Mean; Casa Nzo Manzo Inkosi Filhos De Mata Virgem;Centro Espírita Ilê De Oxum Care; Irmandade De Congo E Moçambique De Nossa Senhora Do Rosário E São Benedito Unzo Atim Abiorum de Oxalufã; Ilé Asé Oxum Ati Oxumaré Danda; Centro Espirita de Umbanda Ogum Rompe Mato;Templo de Umbanda Casa de Caridade da Vó; Nzo Kuna Lemba; Manzo Ngunzu Kiluminu; Centro Espírita Mãe Maria Conga de Aruanda; Bakise Nkambo Ameã;Tenda Umbandista Caboclo Pena Branca; Netos Bate Folhinha; Centro Espírita Umbandista Nossa Senhora Da Saúde; Ilê Axé D’oya Kunliejy;Tenda Espírita Umbandista Pai João E Vovó Catarina De Aruanda.”

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