Mart’nália se une a Djavan, sai da zona de conforto e cria novo gênero musical

Por Pedro Antunes

 

“Se algum desavisado ouvir o meu disco vai pensar que eu fiquei louca”. A frase de Mart’nália chega rápido, seguida por uma longa e gostosa gargalhada. Uma herança do pai, o sambista de riso fácil Martinho da Vila. Cantora, compositora e percussionista, ela decidiu deixar o samba para o resto da família e partiu para o desconhecido. De mansinho, encostou pandeiro, cuíca e tamborim num canto, e vestiu a carapuça do pop. Sim, a filha do bamba renunciou o samba. Não Tente Compreender, novo álbum da carioca, que será apresentado nesta quinta, no HSBC Brasil, é um passo para um universo inóspito para ela.

Para guiá-la neste caminho sinuoso, pouco conhecido pela cantora de 46 anos, Djavan foi o nome escolhido e assina como diretor e produtor musical do projeto. Para conseguir convencê-lo, Mart’nália foi o cercando aos poucos, após seus shows, encorajada por algumas cervejas. “Tive de ir três vezes ao camarim dele, após os shows, para pedir. Na terceira, ele arregou (risos)”, conta.

Ela foi chamada para ir ao sítio dele em Araras, cidade próxima de Petrópolis, no Rio de Janeiro. “Ele começou a me falar das suas ideias de sonoridade, de cantar outras coisas. Tudo o que ele falava batia com os sentimentos que eu tinha. As pessoas já tendem a me mandar músicas sobre Vila Isabel, macumba, sabe? Mas não posso ser só isso”. Ela mostrou a canção Daquele Jeito, foi a primeira a sofrer a mutação. “Fui aceitando as sugestões dele”.

O encontro com Djavan só ajudou a florescer o que já crescia em Mart’nália. “Estava na estrada com o mesmo pessoal há duas Copas do Mundo (2006, na Alemanha, e 2010, na África do Sul). Ia para a terceira! Daí não dá, né?”, brinca. Com o batuque e seu samba bastante percussivo, a cantora viu o mundo, da Europa à África, fez parcerias com Caetano Veloso, Maria Bethânia e, veja só, até com a dona de um jazz refinado, Madeleine Peyroux. “Comecei a perceber ainda mais a harmonia, não só a percussão, que é a minha principal formação”, diz. “Foi após Ária (disco de Djavan, de 2010) que decidi que precisava mudar”.

Ela não quer renegar o samba, nem esquecer o passado (seu e do pai). Mart’nália não consegue é ficar parada. Está sempre em movimento, para lá e para cá, como durante a entrevista por telefone ao JT: inquieta, riso solto, uma metralhadora de palavras e piadas. “Se eu pudesse, passaria os dias inteiros na praia (risos)”, diz. “Música, para mim, é trabalho, o meu emprego. Eu consegui me impor do meu jeito, me mostrar, mas começou a ficar repetitivo. As pessoas compravam meu disco sabendo que era um samba bacaninha. Isso que eu não queria mais”.

São os rótulos que enchem a paciência da percussionista. “Moro no Rio, tenho influências chegando por todos os lados. Ainda estou me encontrando”. Isso e o medo de estagnar. “Se eu ficar só no samba, posso perder muita coisa. Meu pai é um sambista eclético”.

Guitarra de Bellotto

Com a proposta principal do álbum definida, Mart’nália foi atrás dos compositores parceiros habituais: Paulinho Moska, Lula Queiroga, Marisa Monte e Dadi, Max Viana, Ivan Lins e Zélia Duncan, Gilberto Gil, Caetano, Nando Reis e Adriana Calcanhotto. Reunidas, elas propõem uma viagem ao Rio de Janeiro, uma cidade boêmia e romântica. “Queria me firmar como uma artista carioca. Busquei canções que tivessem a ver com isso”, diz. Vai Saber, canção de Calcanhotto, por sua vez, já era para ter sido gravada antes, em Menino do Rio (2006). “Eu perdi o CD que ela me entregou com a música. Fiquei com vergonha de pedir outro, então, peguei a versão gravada pela Marisa Monte”, explica.

Toda a con fiança no disco, apesar do “friozinho na barriga”, vai embora quando o papo é o show. “Peguei uma guitarra emprestada com o Tony Bellotto (do Titãs), mas não sei se vou conseguir fazer tudo sem o pandeiro na mão (risos)”. Um passo de cada vez.

Um novo gênero

Para fugir da zona de conforto criada em seus outro nove discos (entre registros de estúdio e ao vivo), Mart’nália saiu do óbvio, renunciou sua principal raiz: o samba. Para caminhar ao seu lado nesse desafio – o maior da sua carreira -, escolheu Djavan. E não poderia ter sido melhor. A sua MPB classuda, com o violão característico e belas linhas vocais, encontrou o molejo do samba de Mart’nália. O resultado aparece no bom disco Não Tente Compreender, em 14 faixas. Criaram um gênero híbrido, o samba-pop.

A percussionista, filha de Martinho da Vila, buscou compositores sempre parceiros, pedindo canções para ela que também fugiam da temática do samba, de Vila Isabel. O tema central, nesse álbum, é o amor. A delicadeza dos arranjos ficou com Djavan e sua capacidade de, com toques minimalistas, fazer tudo soar cristalino. Até a sua voz rouca sai mais leve.

Um disco light, sem gorduras e excessos. A temática romântica também não é brega, mas foge ao estilo sacana do samba da percussionista. Divertido é o jogo de tentar descobrir quem é o compositor de cada faixa. Namora Comigo, que abre o disco, a faixa mais impactante do álbum, é de Paulinho Moska. Lula Queiroga assina Depois da Cura; Marisa Monte e Dadi fazem parceria em Não Tente Compreender. O pai Martinho da Vila entregou Reversos da Vida, arranjada com um piano pesado, pulsante. De Gilberto Gil, gravou Eu Te Ofereço. Demorou veio de Caetano Veloso. Além de Zero Muito, um pop fácil de Nando Reis, e os versos românticos de Adriana Calcanhotto, em Vai Saber. Tudo, contudo, com a nova cara e som de Mart’nália.

 

Fonte: Estadão 

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