Mbappé, a extrema direita e a pergunta: quem tem direito de ser francês?

Mbappé jogou com máscara com cores da bandeira da França. - Instagram/ Equipe de France de Football

Quando Mbappé concedeu uma coletiva de imprensa, há poucos dias, um repórter pegou o microfone para fazer uma pergunta ao craque da seleção francesa. O jogador não encontrava de onde vinha a voz e o jornalista, para se identificar, afirmou:

Aqui Kylian, pela esquerda. Extrema esquerda.

Mbappé buscou o jornalista com os olhos e, ao encontrá-lo, brincou: que sorte que você não está do outro lado, arrancando a risada de todos.

Sua ironia foi apenas uma arma que o astro francês encontrou para deixar claro sua oposição ao grupo político que, neste momento, lidera as pesquisas de voto para a eleição neste domingo: a extrema direita.

Os últimos dias, de fato, foram marcados por uma troca de farpas entre Marine Le Pen e o principal nome do esporte francês, filho de um camaronês e de Fayza Lamari, de origem argelina. Seu berço? A periferia repleta de imigrantes e seus filhos.

O craque foi explícito em recusar o movimento que “divide pessoas” e lembrou da importância de “viver uns com os outros”.

Ele sabe do que fala. Conhece a realidade do bairro de onde vem, os sonhos daqueles da periferia e, de fato, daqueles que compartilham com ele o vestiário. Em 2022, quando a França chegou à final da Copa, 15 dos 23 jogadores tinham suas origens no continente africano.

Quando Mbappé se posiciona, portanto, a questão colocada no centro do debate vai muito além de uma escolha de um programa econômico ou de siglas políticas.

O questionamento que o jogador que se veste com uma máscara de super herói com as cores de seu país é mais profunda:

Afinal, quem será francês se a extrema direita vencer?

Um filho de uma argelina e um camaronês tem o direito de levantar a taça da Copa do Mundo em nome da França?

Qual o destino dos descendentes de estrangeiros e seu lugar na sociedade? E que tipo de sociedade a França quer ser?

Numa carta aberta publicada neste fim de semana contra o partido Reunião Nacional (RN), mais de mil historiadores franceses deixaram claro o que significaria a vitória da extrema direita. Segundo eles, a transformação estética do movimento político de Le Pen nos últimos anos não é suficiente para esconder o que ele, de fato, representa: a xenofobia.

A política de cidadania da RN conhecida como “preferência nacional”, renomeada como “prioridade nacional”, continua sendo o coração ideológico de seu projeto”, alertam. “Isso é contrário aos valores republicanos de igualdade e fraternidade e sua implementação exigiria a alteração da constituição francesa”, dizem.

Os acadêmicos apontam ainda que, se o RN vencer e implementar seu programa declarado, “a abolição do direito à nacionalidade francesa dos nascidos na França introduzirá uma ruptura profunda em nossa concepção republicana de nacionalidade, já que as pessoas nascidas na França e que sempre viveram aqui não serão mais francesas, e seus filhos também não serão”.

“Da mesma forma, a exclusão de cidadãos com dupla nacionalidade de certas funções públicas levará a uma discriminação intolerável entre várias categorias de franceses. Nossa comunidade nacional não será mais baseada na adesão política a um destino comum, no “plebiscito cotidiano” evocado pelo historiador do século XIX Ernest Renan, mas em uma concepção étnica da França”.

O grupo de mais de mil historiadores lembra como o atual RN herdou seu programa, suas obsessões e seu pessoal do grupo formado nos anos 70 e com claros vínculos ao movimento fascista em Vichy.

“Ele está profundamente enraizado na história da extrema direita francesa, moldada pelo nacionalismo xenófobo e racista, pelo antissemitismo, pela violência e pelo desprezo pela democracia parlamentar”, alertaram. “Não nos deixemos enganar pela prudência retórica e tática com que o RN está preparando sua tomada de poder. Esse partido não representa a direita conservadora ou nacional, mas representa a maior ameaça à república e à democracia”, completam.

Neste fim de semana, quando desembarquei em Paris, a funcionária do aeroporto pegou meu passaporte brasileiro, sorriu e me disse: libanês?

Eu respondi: Claro, e brasileiro.

E ela: e eu libanesa e francesa, por enquanto.

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