Metade das mulheres grávidas são demitidas na volta da licença-maternidade

Muitas se deparam com demissão e dificuldade em voltar para o mercado. Empregadores focam nas perdas que terão com as futuras mães

Por Vera Batista, Do Correio Brazilense

Claudia Santos- mulher negra, com touca na cabeça e vestindo um avental-  cozinhando em uma cozinha de restaurante .
Claudia Santos saiu do emprego quando engravidou e só conseguiu carteira assinada dois anos depois (foto: Vinicius Cardoso Vieira/Esp. CB/D.A Press )

A maternidade permanece polêmica para empregadas e empregadores. Quando uma trabalhadora engravida, o foco das empresas continua sendo nas “perdas” que terá nos próximos anos. O tempo passa, mas os empecilhos são os mesmos: receio de a mãe faltar ao trabalho, caso o filho passe mal; de ela pedir para chegar mais tarde para ir a uma reunião escolar; ou de se atrasar, devido à exaustão da rotina. Os benefícios da maternidade para as empresas e até para a economia do país, mesmo comprovados por diversos estudos, ainda são ignorados.

Na contramão do senso comum, especialistas apontam que as mães são mais produtivas e flexíveis, porque as atividades neurais, ligadas à criatividade, aumentam durante a gestação. Além disso, o hábito de acumular duplas jornadas as deixam com maior capacidade de otimizar o tempo — tornam a vida das mulheres mais fácil no mercado de trabalho. Ainda assim, persiste o pensamento de que o empregador não suportará o tempo de afastamento, sem preencher aquela necessária vaga. Fora isso, há o temor de que o período em que fica com a criança a deixará desatualizada em relação à tecnologia, que avança rápido.

Grasiela Maria de Araújo- mulher negra, de cabelo liso, vestindo blusa de manga preta- sentada em frente a uma mesa cheia de caixas.
Grasiela Maria de Araújo foi demitida depois do terceiro filho (foto: Vinicius Cardoso Vieira/Esp. CB/D.A Press )

Esse pensamento leva, quase sempre, a uma realidade cruel. Estudo da Fundação Getulio Vargas (FGV) aponta que metade das mães que trabalham são demitidas até dois anos depois que acaba a licença, devido à mentalidade de que os cuidados com os filhos são praticamente uma exclusividade delas. Grasiela Maria de Araújo, 36 anos, foi demitida logo depois de ter o terceiro filho, em 2013. “Tirei a licença e mais um mês de férias. Ao voltar, fui desligada”, conta.

Mas não esmoreceu. Fez bicos enquanto esperava emprego de carteira assinada, que só veio dois anos depois. Grasiela entrou para o mercado de trabalho aos 18 anos, como atendente em uma lanchonete. Hoje, tem um filho de 18 anos e outros dois, de 15 e seis, de uma união estável que já dura 17 anos. “A gente ouve o tempo todo que mãe não trabalha, faz corpo mole. É difícil. Já perdi emprego porque de cara disseram que eu não estaria disponível para viajar”, assinala.

Pesquisa dos profissionais da Catho de 2018, com mais de 2,3 mil mães, afirma que 30% das mulheres deixam o trabalho para cuidar dos filhos. Entre os homens, esse número é quatro vezes menor: 7%. Claudia Santos, 38, preferiu pedir as contas antes de ser demitida. Nascida em Belém, ela começou a trabalhar aos 14 anos, vendendo salgados nas ruas, e, aos 17, foi contratada por um restaurante. Engravidou em seguida e não aguentou o calor do fogão. “Deixei o emprego antes de ser demitida. Ouvia o chefe dizendo que mulher grávida é problema porque falta ao serviço e aumenta o custo por causa do salário-família”, lembra. Ela só conseguiu voltar a trabalhar fora depois de dois anos.

De volta à ativa

Dani Junco, fundadora e diretora executiva (CEO) da B2Mamy, aponta que, a cada 10 mulheres, quatro não conseguem retornar ao mercado após a licença-maternidade, de acordo com a consultoria Robert Half. “Percebo que é uma questão cultural. Em minha experiência, senti que as pessoas achavam estranho quando eu deixava meus filhos na escola o dia inteiro”, relata Claudia Consalter, mãe de gêmeos e fundadora da Orthodontic, rede de clínicas de ortodontia.

A tributarista Rhuana Rodrigues, 38, sócia do Chenut, Oliveira, Santiago Advogados, acredita que o peso maior da responsabilidade com os filhos sempre recai sobre a mãe. “Mas costumo dizer que meu marido me ajuda, ele compartilha o cuidado com as crianças, que também cabe a ele”, argumenta. Casada desde 2006, ela teve o primeiro filho, de quatro anos, aos 33 anos. O segundo é recente: está com apenas três meses.

“Especialmente comigo, não houve discriminação, porque sou dona do meu negócio e diretora de Recursos Humanos do escritório. Mas ouço histórias terríveis”, conta.

Durante o tempo da licença-maternidade, Rhuana aproveitou que o “bebê dormia o dia inteiro”, para concluir a monografia de pós-graduação em direito digital.

Efeitos positivos

Desconsiderar os efeitos positivos da maternidade no mercado de trabalho é um erro não apenas do ponto de vista da vida das mulheres, mas das finanças do país. É o que aponta a empresária Dani Junco, fundadora e diretora executiva (CEO) da B2Mamy, empresa dedicada a selecionar mães empreendedoras para negócios. Ela propõe uma simulação, que chama de “distopia Handmaid’s Tale”: “Acabamos de acordar com o mundo completamente estéril, assim como você já deve ter desejado ao saber que a moça da sua equipe está grávida. E agora?”, questiona.

Os resultados seriam desastrosos. Primeiro, diz, o faturamento de R$ 50 bilhões que representa o segmento infantil, de acordo com a Consultoria Nielsen, deixaria de ser injetado na economia. “Não estão somados aqui turismo, entretenimento e outras áreas correlatas que atendem a esses 20% da população”. Em segundo lugar, com a população envelhecendo, não teria mão de obra para manter alguns serviços. “Sem falar das novas cabeças que não nasceriam. Portanto, pesquisa, inovação e desenvolvimento seriam escassos”, diz.

A influência das mulheres no mercado de trabalho é evidente. Entre 2005 e 2015, o número de famílias compostas por mães solo subiu de 10,5 milhões para 11,6 milhões, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). O número de lares brasileiros chefiados por mulheres cresceu de 23% para 40% entre 1995 e 2015, de acordo com a pesquisa Retrato das Desigualdades de Gênero e Raça, de 2017, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).

Maire Laide- mulher branca de cabelo longo na altura dos seios, vestindo camiseta regata preta e um colar grande- em pé fazendo pose com as mãos na cintura e sorrindo.
Maire Laide não tirou licença. Criou as três filhas dentro do trabalho (foto: Vinicius Cardoso Vieira/Esp. CB/D.A Press )

A lei e a vida real 

Assegurada por lei desde 1943, a licença-maternidade atendeu mais de 53 mil brasileiras em 2018, pelos dados da Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia. “Atualmente, o empregador é obrigado a conceder 120 dias, mas é possível estender até 180 para os que aderirem ao programa Empresa Cidadã, que gera benefícios fiscais para os contratantes”, conta o advogado João Badari, especialista em direito previdenciário do escritório Aith, Badari e Luchin Advogados.

Mesmo com o direito garantido no papel, a lei, às vezes, é ignorada. Raramente as mães contam com a ajuda de que precisam depois da gravidez. Mesmo assim, muitas narram histórias de sucesso. Maire Laide Albernaz Neiva, 62, administra um restaurante com 20 funcionários, depois de criar três filhas (43, 41 e 38 anos). “Comecei cedo, aos 14 anos, em uma agência de automóveis. Aos 15, fui transferida para a área de cobrança. Cheguei a chefe do setor financeiro, aos 25”, relata.

As três filhas foram criadas, praticamente, dentro da concessionária. Os patrões montaram berço e a infraestrutura para as crianças. “Mas nunca tirei licença-maternidade. Voltava a trabalhar 15 dias após ter neném. Precisava do dinheiro e tinha a opção de ganhar dobrado”, afirma. Depois que os filhos cresceram, Maire entrou para a Faculdade de Moda e conseguiu o diploma, aos 50 anos. Uma vitória para quem tem uma mãe de 85 anos “que não sabe ler nem escrever”. “Hoje, minhas filhas têm vidas próprias. Mas ainda cuido de minha mãe e de uma sobrinha especial, de 45 anos”, destaca.

Não deixar de ter ambições próprias é uma das dicas que Luzia Costa, CEO do Grupo Cetro, dá para quem é mãe e quer iniciar a vida de empreendedora. Mãe de dois filhos, ela ressalta a importância de enfrentar julgamentos e aceitar ajuda.“Sem dúvidas, muitas pessoas irão lhe criticar por dedicar um tempo do seu dia para trabalho e vida profissional, deixando filhos com avós, babás, em escolinhas, entre outros. Mas precisamos realizar nossos sonhos, até mesmo para dar condições melhores para nossos filhos”, ensina.

+ sobre o tema

Nísia Floresta: A feminista brasileira que você não encontrará nos livros de história

Pouco estudada, a escritora nordestina que viveu no século...

O chicote, o racismo e o poder de mulheres

Que existe racismo no Brasil, não há dúvidas. Que...

Mulheres nas ruas, sem medo, contra o racismo e a violência

#AgoraÉQueSãoElas- No triste dia em que se divulga o Mapa...

Pandemia COVID-19 e as mulheres

Todos sabemos apontar e compreender, mesmo com as muitas...

para lembrar

Homens estão assumindo profissões consideradas de mulher

Em pleno século 21, a mudança de papeis no...

Irmãs sergipanas fazem sucesso com grife inspirada na cultura africana

Confira a primeira reportagem da série Made in Sergipe Por...

Governo do Paraná abre dois concursos para 234 vagas e cadastro

Cargos englobam todos os níveis de escolaridade.Os salários vão...

Caixa abre concurso em todo o país para níveis médio e superior

 Caixa Econômica Federal abriu concurso para a formação...
spot_imgspot_img

Pode acontecer com qualquer pessoa negra – a pergunta é: até quando?

O número de casos de discriminação racial irá aumentar, e isso é um fato. A medida em que as pessoas negras passam a frequentar, estar presente e...

Datafolha: metade das mães brasileiras são solo e 69% das mulheres no país têm ao menos 1 filho

Aproximadamente metade das mães brasileiras é solteira, viúva ou divorciada, 55% do total, segundo pesquisa do Datafolha divulgada neste sábado (13). A pesquisa aponta que 69% das mulheres no país são mães...

Expectativa x realidade: por que não devemos romantizar a maternidade?

Moradora de Belford Roxo, na Baixada Fluminense (RJ), Juliana Reis, de 25 anos, estava amamentando Vicente, de pouco mais de um mês, quando viu...
-+=