Morreu Sarah Maldoror, pioneira do cinema africano

Morreu Sarah Maldoror, que ajudou a fazer renascer o que nunca morreu. Pioneira do cinema africano, militante anticoloniasta, foi autora dos filmes Monangambé e Sambizanga. Foi mulher de Mário Pinto de Andrade.

Por Ferreira Fernandes, do Diário de Notícias

Sarah Maldoror (Imagem retirada do site Diário de Notícias)

O pai era da caribenha ilha de Guadalupe, a mãe do sul de França, e o nome que Sarah se deu adulta homenageava o poeta franco-uruguaio Lautréamont, autor de Os Cantos de Maldoror. A cineasta Sarah Maldoror morreu hoje, 13 de abril, em Paris, vítima do coronavírus, aos 91 anos. Sarah Maldoror foi casada com o poeta e político angolano Mário Pinto de Andrade, fundador e primeiro presidente do MPLA.

Em 1956, então dedicada ao teatro, Sarah Maldoror fundou Les Griots, a primeira companhia de atores africanos e caribenhos em Paris. Para lutar contra os exclusivos “papéis de serva”, pretendia ela. Na costa ocidental de África, “griot” é aquele que anda pelas aldeias a contar histórias, por palavras ou música. A companhia teatral privilegiava autores africanos e uma das suas primeiras produções foi A Tragédia do Rei Christophe, de Aimé Césaire, fundador com Senghor do movimento “négritude”, corrente literária marcante a meados do séc. XX, pela cultura africana e anti-colonialista.

Sarah Maldoror foi estudar cinema para Moscovo, onde conheceu o senegalês Ousmane Sembène, que viria a ser conhecido como o pai do cinema africano. Do que aprendeu na experiência russa, Maldoror tirou, dizia, um método de trabalho: “Estar sempre pronta a descobrir o que pode estar por trás da nuvem.”

O filme Monangambé de Sarah Maldoror © D.R.

Já dedicada ao cinema, Sarah Maldoror foi assistente de realização de Gillo Pontecorvo, em A Batalha de Argel (1965). Filmado na casbah da capital argelina, nas ruelas da almedina onde se tinham travado, dez anos antes, os principais combates pela libertação do país, A Batalha de Argel recebeu o Grande Prémio de Veneza, teve um impacto enorme na formação anti-colonial dos nascentes movimentos estudantis europeus e foi uma iniciação soberba para a cineasta.

Sarah Maldoror assinou o seu primeiro filme com Monangambé, em 1969, inspirado numa novela do escritor e nacionalista angolano José Luandino Vieira, nessa altura preso no campo de concentração do Tarrafal, Cabo Verde. Já com a montagem feita, Maldoror contactou o Chicago Art Ensemble, célebre grupo de jazz, então de passagem por Paris. Depois de terem visto as imagens e ouvido falar de uma luta de libertação de Angola de que até então desconheciam tudo, os músicos americanos aceitara fazer, gratuitamente, a banda musical do Monangambé. Estar sempre pronta a descobrir o que pode estar por trás da nuvem…

O filme seguinte, em 1972, será Sambizanga, inspirado também numa novela de Luandino (A Vida Verdadeira de Domingos Xavier). Maldoror será ajudada no guião pelo seu marido Mário Pinto de Andrade, que levava já 20 anos de exílio. A história é a de Maria, habitante de um musseque de Luanda, o Sambizanga. Durante os dias que se seguem ao levantamento nacionalista de 1961, Maria percorre as cadeias da cidade como que em peregrinação. Ela procura por Xavier, o seu homem, sem saber que ele já tinha sido torturado e morto.

Sarah Maldoror na Berlinale, em 2017.© D.R,

Depois da independência, Mário Pinto de Andrade não regressará a Angola, dissensões internas no MPLA e a guerra civil impedirão disso o mais importante intelectual angolano durante a preparação e a luta de libertação. Será ministro da Cultura da Guiné-Bissau e até morrer, em 1990, nunca teve direito a passaporte do seu país.

Em Paris, Sarah Maldoror passou a fazer documentários dedicados a retratos de artistas: a escultora colombiana Ana Mercedes Hoyos, o poeta Aimé Césaire, a cantora haitiana Toto Bissainthe… – memórias de uma parte da cultura universal que tanto bebeu em África. As duas filhas de Sarah e de Mário, Annouchka e Henda, que anunciaram hoje a morte de sua mãe, em comunicado de onde se extraiu o essencial que vai aqui, convidam-nos a todos para nunca deixarmos de estar atentos à nuvem.

E elas fazem questão em divulgar uma homenagem antiga de Aimé Césaire, que sempre escreveu em frases partidas e fortes:

“A Sarah Maldoror…
Que,
Câmara no punho,
Combate a opressão,
A alienação
E desafia
A Estupidez humana”

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