O ativismo de uma entidade brasileira foi recompensada com a decisão da ONU de criar um novo mecanismo para representar os interesses das afrodescendentes nas negociações internacionais. Por anos, a atuação da Geledés – Instituto da Mulher Negra – reivindicava um espaço capaz de permitir o diálogo entre membros das diásporas de afrodescendentes ao redor do mundo e que isso pudesse ser um instrumento para atuar nas conferências diplomáticas e decisões das Nações Unidas.
Os chamados “Major Groups and other stakeholders” são os grupos de articulação entre a sociedade civil e os organismos internacionais, estabelecidos durante a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (Rio-92).
A meta era a de garantir a participação da sociedade civil nos debates internacionais. Desde então, tais grupos participam ativamente de conferências da ONU, com recomendações e sugestões aos governos e entidades multilaterais. Eles ainda monitoram relatórios independentes, realizam diálogos temáticos e consultas públicas e organizam eventos paralelos aos fóruns formais, os chamados side events.
Originalmente, foram estabelecidos nove grupos na ONU, incluindo mulheres, crianças e juventude, povos indígenas, Organizações Não Governamentais (ONGs), autoridades locais, trabalhadores e sindicatos, negócios e indústria, comunidade científica e tecnológica.
Anos depois, a lista foi ampliada para grupos compostos para defender os direitos de pessoas com deficiência, idosos, comunidade LGBTQIA+, migrantes e cooperativas.
Agora, por pressão da entidade brasileira fundada pela filósofa e ativista Sueli Carneiro, foi a vez da criação um mecanismo sobre afrodescendentes, justamente num momento de ataques por parte do governo de Donald Trump contra a pauta de diversidade.

“Sua inclusão representa um passo importante para enfrentar exclusões históricas e garantir que as vozes, experiências e lideranças de pessoas afrodescendentes estejam refletidas de forma significativa nos processos multilaterais”, afirmou o comunicado, assinado pelos copresidentes do grupo, Rashima Kwatra e Oli Henman.
Uma batalha na ONU
A primeira reivindicação de Geledés neste sentido ocorreu em setembro de 2023. Desde então, a entidade tem lutado pela criação do mecanismo, por meio da articulação com organizações de todas as regiões do mundo que atuam no enfrentamento do racismo e na agenda de desenvolvimento sustentável.
Isso fez parte de seu compromisso em promover a justiça racial e reparatória em espaços globais de decisão das Nações Unidas.
Em julho de 2024, a assessora internacional de Geledés, Letícia Leobet, participou da sessão “Perspectivas dos Major Groups e outros Stakeholders: Parcerias para transformações e ações urgentes” em que colocou explicitamente essa urgência durante o Fórum Político de Alto Nível.
Em setembro do ano passado, paralelamente à Cúpula do Futuro, em Nova York, Geledés realizou o evento “Abordando o Racismo Como Uma Questão Central na Agenda Global para o Futuro”, quando Letícia Leobet voltou a defender a existência de um Mecanismo específico para a comunidade Afrodescendente.
O trabalho foi finalmente recompensado. “Estamos confiantes de que sua atuação enriquecerá nosso trabalho coletivo em prol de um desenvolvimento sustentável equitativo, justo e inclusivo. Estamos ansiosos para colaborar estreitamente com vocês na defesa da transparência, da prestação de contas e da participação significativa de todos os stakeholders na tomada de decisões globais”, afirmou o comunicado oficial que cria o mecanismo.