Mulheres contra o feminismo – Lola Aronovich

Não sei se está exatamente na moda, mas nos últimos dias tem se falado bastante de mulheres contra o feminismo. Não que isso seja novidade: sempre existiram mulheres anti-feministas.

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Assim como existem várias páginas de “Preciso do feminismo porque…”, também existem muitas do tipo “Não preciso do feminismo porque…”, ou “Não sou feminista”, ou “Damas contra o feminismo” (juro!). Algumas delas devem até ter sido criadas por mulheres de verdade (ou seja, não por homens machistas exercitando seu passatempo favorito de fingir que são mulheres na internet). Recentemente um novo tumblr chamou a atenção. Só não dá pra entender muito bem por que há tantas mulheres polonesas com cartazes. Deve ser uma campanha local, sei lá.
Algumas das frases escritas nos cartazes “Não preciso de feminismo…”
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Porque amo homens, porque ser elogiada na rua não é opressão, porque feminismo demoniza a família tradicional, porque não existe patriarcado, porque preciso que meu marido abra potes pra mim, porque homens e mulheres já são iguais, porque homens e mulheres não são iguais, porque suas vaginas não podem silenciar a minha voz [falo por mim, mas acho que tenho usos melhores pra minha vagina], porque quero continuar cuidando da casa e dos filhos, porque a diferença salarial é uma escolha das mulheres, porque eu amo homens masculinos como Christian Grey (do 50 Tons de Cinza), porque não quero que minhas filhas cresçam em volta de feministas vadias, porque muitas delas são veganas marxistas socialistas. E por aí vai.
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Quer dizer… Por onde começar? É pra responder todas? Ainda que quase todas estejam calcadas em cima de clichês sobre feminismo? Eu não me canso de repetir: feminismo tem a ver com escolhas. Eu, pessoalmente, feminista desde criancinha, não costumo criticar escolhas pessoais. Eu critico sistemas. Não trabalhar fora, se maquiar, usar salto alto, casar virgem — tudo isso são escolhas (e quem pode fazer escolhas é privilegiadx, porque significa que a pessoa tem opções). Não são escolhas necessariamente feministas (nem machistas, nem anti-feministas, nem nada), mas são escolhas. E devem ser respeitadas. O que não quer dizer que não se pode falar sobre essas escolhas num plano macro (não individual).
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Cerca de 31% das mulheres no Brasil e nos EUA se assumem feministas, o que considero um número bem alto. No começo dos anos 80, nos EUA, antes do backlash(da reação conservadora contra os movimentos sociais), esse número chegava a incríveis 80%. A pesquisa da Fundação Perseu Abramo mostra que 94% das mulheres (e 90% dos homens!) acha que existe machismo no Brasil. Metade das brasileiras, considerando-se ou não feminista, tem visão positiva do feminismo. Só uma em cinco tem visão negativa.
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Tem gente que acha 31% de mulheres feministas pouco. Bom, na pesquisa de 2001 eram 21% das brasileiras que se assumiam feministas. O número aumentou de 21% para 31% em uma década.
É absurdo pensar que toda mulher é feminista. Não é, nunca foi. Afinal, mulheres são criadas neste mesmo mundo preconceituoso. Mulheres aprendem valores machistas. Mulheres entendem, desde muito cedo, que não devem querer as mesmas coisas que os homens, e que as coisas que os homens querem são muito mais importantes.
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O feminismo é um movimento (ou melhor, vários) que luta para mudar o status quo. É óbvio ululante que muita, muita gente que não quer mudanças não aceita que tentem mudar o mundo em que vivem. Essas pessoas conservadoras estão desesperadas. São aquelas do “mundo está perdido”, “ninguém presta”, “antes é que era bom”, porque elas percebem que a sociedade mudou muito nessas últimas décadas e continuará mudando.
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Ao mesmo tempo, é muito pouca gente que realmente se opõe ao feminismo. Sei que é difícil de acreditar, porque parece existir uma legião de caras nas redes sociais que têm como missão xingar o máximo de feministas todos os dias. Sei que é difícil de acreditar se lermos os comentaristas de grandes portais, ou se ouvirmos aqueles humoristas tão populares. Mas há mais gente que se assume feminista do que gente que se assume anti-feminista. E tem um montão de mulheres no meio, mulheres que nunca nem pensaram no assunto (18% das entrevistadas na pesquisa responderam que não sabem se são ou não feministas).
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Na quinta-feira, a revista americana Time validou a “moda” de mulheres contra o feminismo com um artigo dizendo que alguns cartazes têm pontos relevantes, como afirmar que certas partes do feminismo reduzem todas as mulheres a vítimas e todos os homens a predadores. Eu odeio termos como “vitimização” e “vitimista”, porque eles implicam que pessoas que de fato foram vítimas devem ficar caladas. “Vitimização”, pra mim, é alguém “se fazer de vítima” por algo que não aconteceu ou que não tem importância. E não sei como estupro e violência doméstica entrariam nessas categorias.
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Para a Time, um “argumento poderoso” das anti-feministas é que o patriarcado não existe. Afinal, um patriarcado quepermite (a autora realmente usa essa palavra, sem se dar conta da ironia e da contradição) que as mulheres votem, trabalhem, cursem faculdade, se divorciem, se candidatem a cargos públicos, e sejam donas de empresas, não pode ser considerado um patriarcado.
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Ahn, sério?! Primeiro que não foi assim que aconteceu: um grupo de homens se reuniu e decidiu que, opa, tava na hora de deixar as mulheres terem esses direitinhos aí. Muitas mulheres — mulheres que essas anti-feministas ignoram ou desprezam — lutaram para que todas nós usufruíssemos dessas conquistas. Não foi um progresso natural da humanidade, sabe? Eleanor Roosevelt, primeira-dama americana entre 1933 e 45, já dizia: “Os homens precisam ser lembrados que as mulheres existem”.
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Segundo que falta muito para alcançarmos a igualdade, que é o que o feminismo quer. Mulheres ainda ganham quase 30% a menos que homens, em média. Se continuarmos no ritmo lento que estamos, vai levar 75 anos para que os salários entre os sexos se igualem. Só 10% dos países num mundo com 50% de mulheres são governados por mulheres. No parlamento, as mulheres são em média apenas 22% dos representantes (no Brasil, 8,6%).
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Nas universidades sim, as mulheres entraram com tudo. Mas ainda há mais professores universitários que professoras, e, claro, eles ganham mais (bem mais: nas mais conceituadas universidades americanas, um professor homem ganha em média 40 mil dólares a mais por ano que sua colega professora). E as docentes não estão em cargos de chefia. Só 10% dos reitores brasileiros são mulheres.
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E terceiro: mesmo que, graças ao feminismo que as anti-feministas condenam, tenhamos conquistado muita coisa, é preciso lutar para essas conquistas não sejam tiradas da gente, para que não haja retrocessos. Há um projeto tramitando na Câmara contra a lei do divórcio, lei conquistada, com muito esforço feminista, apenas em 1977. E em toda eleição alguém (como esta notória anti-feminista americana) diz que o voto feminino deveria ser revogado, porque não foi uma boa ideia.
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O que as anti-feministas têm em comum, além do desprezo por feministas? Elas são em sua grande maioria mulheres conservadoras. É só ver as anti-feministas famosas, como Ann CoulterPhyllis Schlafly,Esther Vilar (ok, não existem muitas anti-feministas famosas) — todas conservadoras. Você acha que as “musas olavettes” (mulheres fãs do reaça-mór Olavo de Carvalho que têm uma página não muito movimentada no Facebook) são feministas ou anti-feministas?
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Mulheres anti-feministas são mais que conservadoras — são reacionárias. Querem voltar aos anos 1950, quando, segundo elas, os homens respeitavam as mulheres (decerto não existia estupro naquela época), eram cavalheiros, as mulheres (ricas e de classe média) podiam ficar em casa cuidando dos filhos, em vez de (argh!) trabalhar fora, e todo mundo se casava virgem (decerto não existia prostituição) e vivia feliz para sempre, sem essas libertinagens como os adultérios de hoje em dia (decerto não existia traição).
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E tudo isso, todo esse reino encantado com cercas brancas, foi destruído pelas malditas feministas! (eu adoraria que o feminismo ficasse com todo o crédito, mas a verdade é que os governos de direita que essas conservadoras apoiavam e apoiam causaram um arrocho salarial tão potente que tornou-se inviável para uma família de classe média se manter com apenas um salário).
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E as anti-feministas também detestam com todas as forças a ideia do aborto. Para elas, foram as feministas que inventaram o aborto, que obviamente não existia antes da década de 60, e que hoje é realizado apenas por feministas (o perfil das mulheres que abortam no Brasil — casada, com filhos, religiosa — não parece ser o estereótipo da feminista; nos EUA, seis em cada dez mulheres que abortam já são mães, mas claro que devem ser todas mães feministas).
São argumentos tão absurdos que quase se equivalem aos argumentos de anti-feministas mais profissionais — os masculinistas, vulgo mascus.
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Muitos mascus, óbvio, estão festejando que as mulheres “acordaram” pra maldição demoníaca que o feminismo representa pra humanidade. Infelizmente, como mascus são acima de tudo misóginos, eles olham com certa desconfiança para o esforço das anti-feministas:
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Não é lindo você, mulher anti-feminista, se aliar à fina flor dos homens que odeiam mulheres?
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Uma excelente e divertida resposta às mulheres anti-feministas foi um tumblr criado faz poucos dias, o “Gatos Confusos contra o Feminismo”. Alguém poderia fazer algo parecido aqui no Brasil, né? (fica a dica).
Os cartazes de gatos posando com dizeres anti-feministas incluem:
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“Não preciso do feminismo porque sou pela opressão de todos os seres humanos”, “Não preciso do feminismo porque preciso de atum. Onde está o atum? Eu pedi atum”, ou “Eu me oponho ao feminismo porque eu amo caixas e todo mundo sabe que feministas odeiam caixas”. São respostas tão eficientes que o tumblr já está fazendo sucesso na grande mídia.
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E olha que gatos, ao contrário de mulheres, têm sim bons motivos pra serem anti-feministas. Afinal, todos os gatos vivem, segundo a lenda machista, com feministas sozinhas e amarguradas que só têm esses gatos como companhia. E óbvio que feministas não tratam bem seus bichanos (ainda mais os gatos machos).

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