Mulheres da Paraíba exigem ética da mídia local

Só este ano, 73 mulheres foram assassinadas na Paraíba. O nível de violência é reproduzido na mídia de forma escabrosa, e o movimento de mulheres do Estado quer por fim ao tratamento desrespeitoso, que acaba matando as vítimas mais uma vez. Para isso, está recolhendo assinaturas em carta de repúdio, que recebi via Rede Mulheres em Comunicação, assinei e que publico abaixo.

por Sulamita Esteliam

O documento será entregue aos veículos da capital, João Pessoa. Quem quiser aderir basta enviar, até fim desta semana, nome, organização feminista e/ou de defesa de direitos humanos ou profissão – vale assinatura individual – e estado para o seguinte endereço: [email protected]/.

Eis o texto da Carta de Repúdio:

João Pessoa, 25 de junho de 2012

Prezados/as,

Vimos, através desta carta, manifestar nosso repúdio à maneira que a imprensa tem noticiado os casos de violência contra a mulher no estado da Paraíba, em particular, sobre as imagens utilizadas para ilustrar as matérias.

Não podemos aceitar a maneira que as mulheres estão sendo expostas pela mídia, o que acreditamos reforçar ainda mais esta violência a que somos submetidas no dia a dia. Entendemos que tais imagens, com corpos mutilados, sem roupas, com tarja nos olhos, entre outras, reforçam a humilhação das vítimas, no que diz respeito aos crimes de caráter machista ou de violência de gênero, e estimulam ou ao menos recompensam aqueles que os cometeram. A humilhação da vítima, seja para lavar a honra, seja para obter prazer (no caso dos estupros) é sim, e não podemos calar quanto a isso, um dos motivos que levam seus algozes a cometê-los.

A imprensa também colabora com a ideia de que a mulher precisa ser “protegida”, fazendo com que a sociedade insista na falsa ideia da fragilidade inerente ao nosso gênero.

Precisamos sim, ser protegidas, mas não por homens e pelo comportamento “correto”, que em muitos textos é reforçado como uma espécie de redutor da violência contra as mulheres, e sim por leis, igualdade e justiça. Também pelos veículos de imprensa, que têm que divulgar, sim, a violência contra a mulher, que vem alcançando índices alarmantes nos últimos anos.

Frisamos: só em 2012, 73 mulheres foram mortas na Paraíba, segundo dados oficiais divulgados pela Secretaria de Segurança Pública do Estado.

Mas, lembrando, que a mídia é formadora de opinião, identidades e valores, e, portanto, deve prezar pela ética, respeito à dignidade humana, e às leis que regem este país, fazendo valer a sua responsabilidade social.

Insistimos que não é preciso recorrer à comunicação do grotesco para informar qualquer fato. Além das imagens, a imprensa da Paraíba tem produzido textos que reforçam a discriminação contra a população pobre, principalmente, quando noticiam mortes que supostamente podem estar relacionadas ao tráfico de drogas, ligando a morte das mulheres ao tráfico e, subjetivamente, afirmando que “ela deveria morrer, pois significava um problema para a sociedade”. A apuração dos fatos, ouvir TODOS os lados envolvidos nos acontecimentos é lição básica que aprendemos na universidade e que não podemos esquecer.

No dia em que a professora universitária, Briggída Lourenço, foi assassinada, alguns veículos de comunicação da Paraíba veicularam imagens dela morta, deitada de costas no chão de seu apartamento e de Elizabeth de Lima dos Santos, que foi assassinada em Cabedelo. Tais imagens violam a privacidade e a integridade das vítimas e em nada contribuem para a denúncia da violência contra a mulher!

Reforçamos: ÉTICA DEVE FAZER PARTE DO FAZER JORNALÍSTICO! Nossa profissão tem um Código de Ética que deve ser observado e colocado em prática!

O uso destas imagens viola o artigo 5º, parágrafo X, da Constituição Federal que diz: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”; e ainda, no mesmo artigo, parágrafo V: “é assegurado o direito de resposta, proporcional ao agravo, além de indenização por dano material, moral ou à imagem”. Só para citar uma das diversas legislações brasileiras que preveem responsabilidades aos órgãos que violarem a imagem da pessoa.

Entendemos que qualquer continuidade nessa linha de jornalismo, que consideramos sensacionalista e ineficaz, além de ferir os nossos esforços na mudança e conscientização da população acerca dos crimes de gênero, como uma atitude a ser denunciada e combatida.

ASSINAM:

Marcha das Vadias – PB

Cunhã – Coletivo Feminista/PB

Bamidelê – Organização de Mulheres Negras na Paraíba

Coletivo Feminista Teimosia/PB

Ilê Mulher – Porto Alegre/RS

Rede de Mulheres em Comunicação

Grupo de Mulheres Negras Nzinga Mbandi/SP

Associação de Mulheres Flor de Maio

Grupo de Mulheres Negras Saltenses

Associação de Mulheres Negras Acotirene

Associação de Mulheres de Araras/SP

Movimento Pela Saúde dos Povos/PHM Brasil

Rede de Mulheres em Articulação na Paraíba

Sandra Vasconcelos – jornalista

Frente Feminista do Levante

Associação Nacional dos Estudantes Livres (ANEL)

Letícia Fernandes Resck – atriz e feminista independente

Centro de Ação Cultural – CENTRAC

Observatório da Mulher

Associação das Trabalhadoras Domésticas de Campina Grande – PB

Coletivo Feminino Plural

Elas por Elas Vozes e Ações das Mulheres/SP

MCTP – Movimento Nacional contra o Tráfico de Pessoas/SP

Fórum Nacional de Mulheres Negras

CEN – Coletivo de Entidades Negras

Sandra Muñoz – feminista

Eunice Gutman – Via TV Mulher

Sulamita Esteliam, jornalista e escritora-blogue A Tal Mineira/Recife-PE

O Geledés – Instituto da Mulher Negra

Articulação de ONGs de Mulheres Negras Brasileiras

Jeanice Dias Ramos, jornalista, Porto Alegre/RS

Tatiane Scherrer – Orçamentista Grafica – Limeira/SP

Terezinha Vicente – Ciranda Internacional da Comunicação Compartilhada

 

 

 

Fonte: Atalminera

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