Mulheres são maioria nas universidades, mas não coordenam estudos científicos

Mulheres se afastam mais do trabalho para cuidar da saúde da família, são menos convidadas para pesquisas internacionais e não participam da gestão de financiamentos

por Renato Grandelle no O Globo

Já fazia parte da rotina. A bióloga Rafaela Falaschi conversava com outras mulheres sobre as dificuldades que enfrentavam no mundo acadêmico e era interrompida pelos homens, que a chamavam de “amarga” e asseguravam que não havia machismo nos laboratórios.

Após ouvir relatos parecidos, decidiu criar o site “Mulheres na Ciência”, onde artigos poderiam ser compartilhados e comentados sob o ponto de vista feminino.

Em apenas um mês, a iniciativa atraiu mil pessoas. E tornou-se um exemplo da tomada de espaços antes monopolizados por homens em diversas áreas de pesquisa.

Hoje, quando se comemora o Dia Internacional das Mulheres na Ciência, levantamentos mostram como elas assinam cada vez mais artigos, ampliaram seu registro de patentes e parcerias internacionais.

Brasil e Portugal são os países com maior equidade de gênero no mundo científico, deixando para trás os Estados Unidos e a União Europeia. Ainda assim, ressalta Rafaela, há muitos desafios pela frente, como debater os cargos e os financiamentos disponíveis para elas.

Desigualdade Histórica

Homens predominam entre quantidade total de pesquisadores. patentes registradas e colaborações internacionais
DESIGUALDADE HISTÓRICA Homens predominam entre quantidade total de pesquisadores. patentes registradas e colaborações internacionais
Gráfico: O Globo
Produção acadêmica vinda de colaboração internacional MULHERES HOMENS
O Globo

O percentual de mulheres que se dedicam à ciência diminui à medida em que elas progridem na carreira — lamenta.

— São diversos motivos, especialmente os voltados aos estereótipos de gênero, além do ambiente ainda muito hostil tanto na academia quanto em espaços empresariais.

Os números podem ser crescentes de mulheres com diploma universitário, mas o caminho para alcançar a equidade em postos de chefia, onde as decisões são tomadas, ainda é longo.

Um relatório publicado em 2017 pela consultoria holandesa Elsevier, que analisou mais de 5,5 milhões de estudos, atestou como a distribuição das mulheres na ciência é desequilibrada.

Elas são pelo menos 40% do contingente dedicado às áreas de Humanas e Biológicas. No entanto, são menos de 25% do contingente de Exatas, que abrange carreiras como Engenharia, Matemática e Física.

— Desde cedo as mulheres são desestimuladas a seguir carreira nas ciências duras por falta de aptidão natural, e por isso tendem a evitá-las — explica Rafaela.

— Outro fator que explicaria este fenômeno é o estereótipo da figura do cientista. Em geral imagina-se que ele é um homem branco, velho, despenteado, com cara de maluco e de jaleco branco.

Meghie Rodrigues, pesquisadora da Diretoria de Desenvolvimento Científico do Museu do Amanhã, acredita que, nos últimos anos, o cenário retratado pelo levantamento holandês está mudando:

— Há um preconceito arraigado sobre o que é “profissão de homem” e “profissão de mulher”. De fato, a participação das mulheres nas engenharias é muito pequena, realmente vergonhosa, mas a academia está cada vez mais engajada em debater esta representatividade.

Obrigações familiares

Entre os estudantes que ingressam no ensino superior, 57% são mulheres, mas os homens lideram na outra ponta: formam a maioria do corpo docente (54%) e têm mais bolsas de produtividade em pesquisa (64%), segundo o Inep, o CNPq e a iniciativa “Parent in Science”.

Presidente emérita da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), Helena Nader lembra que as mulheres acumulam obrigações que podem afetar sua trajetória profissional.

— As mulheres têm filhos e, por isso, se afastam da profissão — destaca Nader, que foi a terceira mulher a presidir a SBPC, uma entidade fundada em 1948.

— A segregação é enorme, porque ela é vista como a responsável por tomar conta da casa.

Em seu relatório, a Elsevier assinala que as mulheres, além da maternidade, também deixam mais o trabalho do que o homem para cuidar da saúde de membros da família.

Como resultado, recebem menos convites para participar de pesquisas internacionais e conferências no exterior.

— Isso reforça a opinião pública de que as mulheres são menos competentes ou capazes para ocupar empregos científicos — avalia Rafaela.

Leia também

As chances das mulheres na universidade

“Na universidade, sou uma das cinco mulheres negras em uma sala de 85 alunos brancos”

+ sobre o tema

Semana Mundial do Aleitamento Materno começa hoje em mais de 170 países

Semana Mundial do Aleitamento Maternocomeça hoje, 1º , e...

Rilza Valentim: primeira mulher negra prefeita da cidade de São Francisco do Conde

A prefeita Rilza Valentim de Almeida Pena tem 50...

Mas a vítima não suporta a pressão. Decide pelo suicídio…

Felipe B em seu instigante artigo nos fala sobre...

para lembrar

UE denuncia exploração a empregadas domésticas irregulares

As empregadas domésticas em situação irregular enfrentam em inúmeros...

Mulheres do Brasil divulga nota de repúdio contra feminicídios no DF

O grupo Mulheres do Brasil, liderado pela empresária Luiza Helena...

Feministas denunciam publicidade sexista em data comemorativa

Exposição do corpo feminino de forma acentuada, mulheres mostradas...
spot_imgspot_img

Sete em cada 10 secretarias municipais de educação descumprem lei que obriga ensino sobre história e cultura afro-brasileira nas escolas

Um levantamento mostrou que sete em cada dez secretarias municipais de educação descumprem parcial ou totalmente a lei que obriga o ensino sobre história...

Enegrecer a docência universitária

Um educador em um sistema de opressão é revolucionário ou opressor.   ‒ Lerone Bennett Jr. Peço licença para iniciar este texto com um dado bastante obsceno:...

6º Fórum dos países da América Latina e do Caribe pauta a Agenda 2030

A sustentabilidade de novas tecnologias sociais foi debatida no 6º Fórum dos países da América Latina e do Caribe sobre o desenvolvimento sustentável, que...
-+=