Nágyla Drumond: Diálogo sobre Estado, Mulheres e Feminismos

Participando intensamente e observando o processo de III Conferência Municipal de Mulheres em Fortaleza, concluído no último dia 28 de agosto de 2011, fiquei a pensar sobre o papel das institucionalidades governamentais neste início da segunda década do século XXI. O Brasil, este ano, realizará 13 conferências temáticas, capilarizadas por etapas municipais e estaduais. A III Conferência de Mulheres, em especial, marcada pelo ineditismo de termos uma presidenta da república vem anunciando em suas etapas municipais e regionais que se estenderão até o final de setembro, a pujante necessidade das gestões públicas ousarem mais em seu leque de políticas públicas de governo e de estado.

Por: Nágyla Drumond

Tomo como exemplo o cenário da Conferência de Mulheres pela proximidade e por militância de quase 20 anos no movimento feminista. Iniciei, quando ainda era uma adolescente de 17 anos que acabará de ingressar na universidade. Aos 35 anos de idade, sou da geração de feministas da década de 90 que, no auge da ofensiva neoliberal patrocinada por FHC e seus pavões emplumados, se colocava contra ordem vigente que parecia querer confundir a “tal social democracia” com a democracia pela qual muitas e muitos de nós tínhamos dado a própria vida.

O movimento feminista brasileiro passou por importantes ondas: a participação das mulheres nos movimentos abolicionistas e republicanos; a luta pelo sufrágio universal; a intensa mobilização feminina na luta contra as Ditaduras brasileiras; a luta pela redemocratização do país; pelo cumprimento de uma agenda afirmativa de políticas públicas, ainda, nos marcos do estado burguês. Enfim, não é jargão em desuso, apontar que as mulheres sempre estiveram de punhos erguidos na luta por uma terra mais justa e democrática, apesar do mando do machismo, do racismo e da homofobia em suas versões de gênero e de classe.

Mas, os movimentos feministas e de mulheres no Brasil e no mundo se encontram bastante tensionados por um certo Feminismo de Estado e no Estado. Tensionados pela “crença” de que a vida das mulheres estará resolvida numa agenda propositiva de políticas públicas. É óbvio, que precisamos aproveitar todas as possibilidades que o Estado oferece (por luta diuturna dos movimentos sociais e feministas) em termos de uma agenda pela autonomia econômica, pelo enfrentamento à violência, pelo respeito aos direitos sexuais e reprodutivos, pela erradicação da pobreza, pelo direito à educação e saúde universais e não sexistas.

No entanto, estas são pautas que precisam ser revisitadas à luz da novíssima correlação de forças em que vivemos, na qual, ao mesmo tempo, em que temos instrumentos vigorosos do Estado, estes se encontram pressionados por concepções politicamente atrasadas em relação à condição feminina e a todos os seus desdobramentos na esfera do trabalho da produção e da reprodução social, do direito das mulheres sob o próprio corpo, das questões relacionadas à imagem hegemônica das mulheres na mídia conservadora e nas igrejas tuteladoras, no enfrentamento à violência e na participação política de mais da metade da população brasileira.

O Estado Brasileiro precisa aproveitar, apesar de todos os pesares, os novos tempos, de crescimento econômico, de democracia mais ampla, para compreender que é necessário, ainda nos marcos do estado burguês, avançar de maneira mais célere quanto à elevação da qualidade de vida das mulheres que não pode ser medida, apenas, pelo termômetro do poder de compra destas, que já são, aproximadamente, 40 % das chefes de família.

O poder público precisa se voltar e olhar as mulheres do século XXI, como aquelas que precisam ser protagonistas e testemunhas da legalização do aborto em nosso país, da aprovação e implementação de um marco regulatório para os meios de comunicação, de avanço qualitativo e quantitativo da participação feminina nas esferas de poder e decisão, em ações potentes no enfrentamento à violência contra as mulheres. E não, apenas, atendidas, por um conjunto de ações exemplares, porém, pontuais e que, muitas vezes, acabam por, simplesmente, reproduzir os estereótipos construídos ao longo de nossa história.

Mas, aos movimentos feministas cabe, também, a não-acomodação mediante as possibilidades institucionais. É necessário que a crítica feminista, em seus diferentes matizes, possa se voltar e problematizar que ações de governo e estado estão sendo executadas e de que forma contribuem ou não para este capital político das mulheres. Ou será que vamos nos confinar a realizar excelentes projetos, programas e ações voltados para as mulheres, sem que, necessariamente, possamos avançar em nossa práxis feminista, de certa forma domesticada pelas atuais ações governamentais e estatais? Será que o momento democrático ímpar que vivemos não necessita da rebeldia e irreverência dos movimentos de mulheres e feministas? Será que não temos condições de potencializar a herança de todas as nossas conquistas (e olhem que não foram poucas), não para estacionarmos numa pauta, meramente, de direitos, mas, a partir desta, avançarmos, acumulando forças para passos maiores e, cotidianamente, mais necessários às novas gerações femininas?

O leito da III CNPM é mais um espaço importante para refletirmos, sob os holofotes das teorias feministas, os rumos dos feminismos em nosso país e no mundo inteiro. Debatermos o presente, com os olhos voltados para as questões do “hoje”, mas, sem, nunca, perder a perspectiva histórica e dialética da transformação, tão feminina quanto a luta, a revolução e à liberdade!

* Nágyla Drumond é Socióloga, Mestre em Sociologia, Professora Universitária, Secretária Estadual de Mulheres do PCdoB e Coordenadora da UBM e do Centro Socorro Abreu.

Fonte: Vermelho

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