O racismo também mata mulheres

Hoje, 25 de novembro, Dia Internacional da Luta Pelo Fim da Violência Contra a Mulher, é uma data importante para se falar dos dados levantados pelo Mapa da Violência 2015: em 10 anos, os feminicídios cometidos contra mulheres negras cresceram 54%, enquanto os feminicídios contra mulheres brancas caíram 10% no mesmo período.

Por Jarid Arraes, do Revista Fórum 

Diante desses dados, é necessário que façamos um questionamento: por que os índices de feminicídio das mulheres brancas diminuíram, enquanto os das mulheres negras aumentaram? Se a conscientização sobre o  machismo apresentando o grupo de mulheres como um grupo universal fosse uma estratégia eficiente, os índices de feminicídio não teriam aumentado tanto para um grupo de mulheres que possuem a cor da pele como característica em comum. As mulheres negras engajadas nos movimentos de mulheres falam disso há muito tempo: a universalização de mulheres como um grupo que possui as mesmas necessidades e contextos é uma armadilha, pois só atende às necessidades daquelas que são contempladas pelas experiências apresentadas. Fora de vista, milhares de mulheres continuam em situações de vulnerabilidade e as mobilizações que visam combater a violência contra a mulher continuam não chegando até elas.

Precisamos investigar mais profundamente a forma como os movimentos feministas estão atuando e quem está sendo atingindo pela conscientização, assim como precisamos entender o que leva a disparidade tão grande entre as mulheres brancas e negras assassinadas por parceiros ou ex-parceiros. É importante que analisemos as estratégias dos movimentos sociais e o seu alcance; podemos até afirmar que a quantidade de eventos e debates sobre feminismo e violência contra as mulheres, incluindo aqueles que debatem sobre as questões que envolvem racismo, aumentou, mas também não é difícil observar, analisando imagens de divulgações e anúncios de eventos feitos pelas redes, que esses debates, palestras e encontros estão centralizados nas universidades, em bairros de classe média e outros locais pouco acessíveis ou de difícil acesso para mulheres de outras regiões – como aquelas que moram em bairros periféricos ou que não possuem Ensino Superior.

Leia Também: PLP 2.0 – Aplicativo para coibir a violência contra a mulher

E enquanto é verdade que coletivos de feministas periféricas estão atuando em seus bairros e regiões, é importante traçar uma comparação entre o número de ações feitas nas periferias e nos centros ou universidades. Será que essas ações feministas têm chegado às mulheres das cidades do interior, por exemplo? Se sim, como elas estão chegando e quais são suas propostas? Há um diálogo preocupado com a realidade local daquelas mulheres, com suas necessidades mais urgentes e com uma linguagem que faça sentido para seus contextos de vida?

Talvez insistir em modelos feitos para a universidade não seja uma estratégia abrangente o suficiente, ainda que seja muito importante. Mas se a maioria das mulheres vítimas do machismo são mulheres negras, se elas não estão frequentando uma faculdade e nem sequer tomam conhecimento dos debates que acontecem nas regiões mais centrais das cidades grandes, como podemos esperar que o número de feminicídios contra essas mulheres diminua?

Nos últimos anos, as discussões sobre essas questões aumentaram nas redes e novas ações foram realizadas nas periferias, assim como foram criadas estratégias voltadas para o combate do machismo marcado pelo racismo. O esforço de décadas de feministas negras históricas tem culminado em uma nova geração que usa a internet e promove ações relevantes em regiões além dos centros e universidades. Teremos a oportunidade de testemunhar os resultados dessas ações no próximo Mapa da Violência – pelo menos é isso que desejamos -, mas repensar nossas falhas ainda é algo fundamental para que os movimentos feministas se tornem cada vez mais propositivos e efetivos na sociedade.

Sem dúvida alguma, é imprescindível para qualquer ativista compreender que a universalização das demandas das mulheres brancas, sudestinas e de classe média ou alta é uma estratégia racista, pois joga à margem milhares de outras mulheres, sejam elas negras ou indígenas, do norte ou do nordeste e também com menos poder econômico. De nenhuma forma isso quer dizer que as mulheres brancas citadas não sofrem com a misoginia, mas outras mulheres também precisam ser alcançadas e ter suas realidades transformadas para melhor.

Neste dia 25 de novembro, devemos refletir sobre nossas ações passadas e repensar nossas ações futuras. O objetivo do movimento feminista é assegurar os direitos das mulheres, o direito que todas as mulheres têm à vida. E se um grupo de mulheres está morrendo mais do que outro, que nossas ações se voltem mais para aquelas que estão sendo mais vitimadas – porque o racismo também mata mulheres.

Foto de capa: Reprodução / Facebook

+ sobre o tema

Violência contra mulher: Vereadores aprovam campanha educativa em ônibus

A Câmara de municipal de Boa Vista (CMBV) aprovou...

Estupro, uma epidemia contemporânea

A barbárie que vitimou a jovem indiana de 23...

Após mexer em Nicole Bahls, Gerald Thomas escreve à ‘gentália hipócrita’

O diretor de teatro Gerald Thomas foi alvo de pesadas críticas,...

para lembrar

Denúncias de crimes contra mulheres crescem 150%

Às vésperas do Dia Internacional da Mulher, os números...

Para J. Jorge, do Olodum, Luiza Barros na SEPPIR ampliará diálogo

    Salvador - O presidente do Olodum, João Jorge Rodrigues,...

Violência contra a mulher não é só dar porrada

Muitas mulheres são vítimas de violência doméstica, preconceito no...

A cor do pecado: no século xix, a sensualidade da mulher negra

______________________   Resumo Esta pesquisa tem por objetivo principal analisar a presença...
spot_imgspot_img

Homem é preso em Manaus suspeito de matar grávida por não querer filho negro

A Polícia Civil do Amazonas prendeu em Manaus um homem apontado como sendo o assassino de sua ex-namorada grávida de sete meses. As investigações, segundo a corporação,...

Violência política contra as mulheres é estratégia de ataque à democracia, diz especialista

Neste 25 de novembro, Dia Internacional pelo Fim da Violência contra as Mulheres, o Brasil se depara com um número alarmante. Segundo pesquisa elaborada...

Mortalidade materna de mulheres negras é o dobro da de brancas, mostra estudo da Saúde

Assim como outros indicadores de saúde, a mortalidade materna é maior em mulheres negras do que brancas, de acordo com levantamento do Ministério da Saúde. Dados preliminares...
-+=