- Desconsiderar a interseccionalidade de raça e de gênero é fechar os olhos para o efeito danoso presente na sociedade
- Ser negro e, sobretudo, negra implica carregar traços que interferem nas oportunidades que a vida oferece
É preciso admitir que a interseccionalidade é fator de distinção entre as pessoas em geral e entre os pobres em particular. Evidente que há “pobres de todas as cores”, mas a pobreza se apresenta de forma mais obtusa para uns do que para outros.
A sobreposição de discriminações e opressões afeta as pessoas de maneira muito diferente em decorrência do cruzamento de fatores sociais como raça e gênero (principalmente, mas não só). Pobre não é tudo igual.
Ser negro (sobretudo, uma mulher negra) implica carregar traços de identidade que impactam e interferem na quantidade e na qualidade de oportunidades que a vida oferece. Também determina a vivência de múltiplas violências que uma pessoa branca jamais irá sofrer pelo fato de ser quem e como é. Pretos e pardos não estão blindados contra a opressão racial nem quando se encontram em condição socioeconômica favorável.
Nos últimos dias, foram noticiados vários dados que atestam o impacto negativo da interseccionalidade de raça e de gênero sobre direitos sociais como trabalho, infância, moradia e educação foram divulgados. Vejamos alguns exemplos.
Em São Paulo, 60% das empreendedoras negras ganham até um salário mínimo e só 5% recebem mais de quatro mínimos. Entre as empreendedoras brancas, os percentuais são de 33% e 16% respectivamente. O contraste é ainda maior na comparação com a realidade dos homens brancos empreendedores (Instituto Locomotiva).
No ano passado, 1,65 milhão de crianças e adolescentes de 5 a 17 anos, a maioria (66%) negros, estava em condição de trabalho infantil IBGE). Entre os mais de 2 milhões de brasileiros sob ameaça de remoção forçada de suas casas, cerca de 1,5 milhão é negro (Campanha Despejo Zero). Na educação superior, apenas 20% dos alunos de mestrado e doutorado são negros ou indígenas (Centro de Gestão e Estudos Estratégicos).
Desconsiderar a interseccionalidade de raça e de gênero é fechar os olhos para o efeito danoso que o nosso passado escravista exerce sobre a realidade absurdamente desigual que caracteriza a sociedade brasileira.
Ana Cristina Rosa – Jornalista especializada em comunicação pública e vice-presidente de gestão e parcerias da Associação Brasileira de Comunicação Pública (ABCPública)