‘Não há vacina para o racismo’, diz Kamala Harris, oficializada candidata a vice nos EUA

Em uma noite histórica, a senadora Kamala Harris foi confirmada nesta quarta-feira (19) como vice na chapa de Joe Biden à Casa Branca, com um discurso de duros ataques a Donald Trump e contra o racismo, apelando por mais unidade e inclusão nos Estados Unidos.

Primeira mulher negra a disputar a vice-presidência por um grande partido no país, Kamala (pronuncia-se Kâmala) afirmou que o fracasso da liderança de Trump custou vidas e que não existe vacina contra o racismo. “Vamos ser claros: não existe vacina contra o racismo. Nós temos que fazer o trabalho.”

A questão racial —ainda mais proeminente na campanha democrata após sua escolha como vice— foi um dos momentos mais emocionais do discurso da senadora.

Ela afirmou que os EUA são uma nação de luto pelas perdas provocadas pela pandemia e que as minorias estão morrendo de forma desproporcional.

“Isto não é uma coincidência. É o efeito do racismo estrutural. Das desigualdades em educação e tecnologia, saúde e habitação, segurança no emprego e transporte. A injustiça na atenção à saúde reprodutiva e materna. No uso excessivo da força pela polícia. E em nosso sistema de justiça criminal mais amplo.”

A senadora apontou desgoverno de Trump diante da pandemia que já matou mais de 172 mil americanos e disse que os EUA precisam escolher um líder como Biden, único capaz de reconstruir o país de forma mais pacífica e igualitária.

“Hoje, esse país parece distante. O fracasso da liderança de Donald Trump custou vidas e meios de subsistência”, disse Kamala.

Em sua fala de 20 minutos, que fechou a penúltima noite da convenção, Kamala apontou a disparidade das lideranças entre Biden e Trump e disse que a eleição deste ano é um momento determinante para mudanças.​

“Estamos em um ponto de inflexão. O caos constante nos deixa à deriva, a incompetência nos dá medo, a insensibilidade nos faz sentir sozinhos. É muito. E é o seguinte: podemos fazer melhor e merecer muito mais. Devemos eleger um presidente que trará algo diferente, algo melhor, e fará o trabalho importante. Um presidente que reunirá todos nós —negros, brancos, latinos, asiáticos, indígenas— para alcançar o futuro que queremos coletivamente. Devemos eleger Joe Biden.”

Ao lado do de Barack Obama, o discurso de Kamala era o mais esperado da penúltima noite da convenção democrata, e com a senadora ficou o papel de apresentar sua história de vida como forma de se credenciar, ao lado de Biden, para guiar o país para fora da crise de maneira propositiva.

“No momento, temos um presidente que transforma nossas tragédias em armas políticas. Joe será um presidente que transformará nossos desafios em propósito.”

Filha de imigrantes divorciados —uma pesquisadora da Índia e um professor da Jamaica, ambos engajados no movimento pelos direitos civis—, Kamala aposta no seu apelo entre progressistas e moderados para tentar capitalizar o amplo arco de eleitores de que Biden precisa para vencer Trump.

Como mulher e negra, a senadora quer conquistar os eleitores jovens e progressistas que foram às ruas contra o racismo e a violência policial no país. Como ex-procuradora da Califórnia, quer tentar atrair moderados que votaram em Trump, mas agora estão cansados da retórica agressiva do presidente.

A questão racial entrou de vez no debate do Partido Democrata, e o argumento da senadora é que Trump trabalha para aprofundar as diferenças sociais e raciais entre os americanos, enquanto sua chapa com Biden é capaz de pacificar o país.

Neste ano, após o assassinato de George Floyd —um homem negro asfixiado por um policial branco em Minnesota—, o atual presidente incentivou a repressão violenta a manifestações pacíficas, chamando as pessoas que estavam nas ruas de bandidos e radicais.

Kamala e Biden, por sua vez, apoiaram os protestos, sempre em uma tentativa de se diferenciar da condução de Trump diante dos três principais problemas hoje nos EUA: pandemia, crise econômica e questão racial.

A penúltima noite da convenção democrata, nesta quarta, foi batizada de “Uma união mais perfeita”, assim como o discurso de Obama em 2008, quando ele ainda estava disputando a nomeação do partido à Presidência.

Foi ali a primeira vez que Obama falou sobre as questões raciais dos EUA e a profundidade das divisões que via no país.

Ao escolher a senadora como vice, Biden uniu o perfil de dois grupos de eleitores que serão determinantes na disputa de 3 de novembro: mulheres e negros.

As mulheres são 55% do eleitorado americano, e pesquisas recentes mostram que Biden está até 20 pontos percentuais à frente de Trump entre elas —em 2016, Hillary Clinton superou o republicano nesse grupo por 14 pontos percentuais. Entre eleitores negros, Biden tem quase 80% da preferência, mas precisa motivá-los a ir às urnas em novembro, visto que o voto não é obrigatório nos EUA.

Aos 55 anos, Kamala é senadora desde 2017, foi procuradora na Califórnia de 2004 a 2011 e concorreu pela nomeação democrata à Presidência dos EUA, mas desistiu da campanha ainda no fim de 2019.

Analistas e movimentos progressistas criticam sua atuação como procuradora, sob o argumento de que, quando pressionada a adotar reformas no sistema criminal, não agiu de forma assertiva.

Pelo contrário, defendeu condenações ilegais que foram garantidas por má conduta de oficiais, incluindo adulteração de provas e falso testemunho, e contribuiu para a prisão injusta em diversos casos —principalmente envolvendo réus pobres e negros.

Havia dúvidas, inclusive, sobre como —e se— Kamala iria abordar esses episódios em seu discurso na convenção. Não o fez.

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