No ano passado houve a tragédia da morte de Cláudia, elevando aos píncaros o grau de violação da qual foi vítima, ao ter seu corpo arrastado por alguns pontos da cidade por uma viatura que a deveria proteger e socorrer. Agora, vemos a jovem Haíssa perder sua vida de maneira idêntica, ou seja, vítima da loucura do braço armado do estado do Rio de Janeiro.
no Jornal do Brasil por Mônica Francisco *
Em meio ao debate eleitoral vigoroso, para a grande maioria a tragédia de Haíssa passou longe, muitos nem sequer ouviram falar, antes das cenas liberadas e veiculadas a exaustão pelos meios de comunicação.
Mas, em meio a todas essa tragédia, um fato me chama muita atenção, ou melhor alguns deles. O primeiro é relacionado ao uso de boné por parte do motorista. Muitos já se esqueceram, mas há uma lei, de autoria da deputada estadual Lucinha do PSDB, proibindo o uso de bonés em estabelecimentos comerciais, condomínios e bancos.
Houve um debate, mas a grande questão é a manutenção por parte do poder público e da sociedade de maneira geral, de uma postura racista e discriminatória, direcionada ao mesmo grupo social (negros, pardos, não brancos e jovens moradores de áreas periféricas e pobres da cidade) que acabou culminando com a execução de Haíssa, e que poderia ter resultado em uma verdadeira chacina, pois se todos os tiros disparados tivessem atingido os jovens ocupantes do carro, a conta seria mais alta.
A cristalização destas posturas fundamentalistas em relação aos que são das classes mais populares e enquadram-se no tipo do qual me refiro, produzem esta disposição mental assassina de ambas as partes. Não precisamos de Isis (sigla que denomina o grupo fundamentalista Estado Islâmico) aqui, nosso algoz é a polícia militar e ela serve bem aos interesses xenofóbicos inconscientes e conscientes de uma sociedade que não aceita o grupo que descendeu de sujeitos escravizados pela irracionalidade ocidental européia, desejosa de subjugar outros seres humanos para seu serviço.
Só que não é preciso muito esforço para continuar aniquilando esse grupo resiliente. Leis, atitudes e ações concretizadas com aval estatal, fazem bem esse papel. Pune-se, continuará a se punir, mas a questão central é o racismo institucional, que impregnou de maneira perigosa as instituições policiais e judiciárias, com grande representação no legislativo, que referenda oficialmente com leis absurdas a criminalização de sujeitos de um determinado grupo.
Da França hoje (12/01), chega a notícia da proibição de manifestações religiosa públicas de grupos considerados incivilizados (muçulmanos), perigosos. Aqui vivemos isso com os cultos afro-brasileiros por um bom tempo. Acirram-se os ódios contra esse grupo por parte da população de lá, em uma demonstração clara de rejeição. Não é um grupo com comportamento desviante que deve ser contido, mas amplia-se a mancha sobre um grupo social e todo o tipo de situação passa a ser de certa forma consentida de acometer esse determinado grupo, seja o que for.
Aqui, não é muito diferente, e precisamos encarar este problema de frente. Não há mais espaço para negativas, ou melhor negação do fato. Ou seja, do racismo que nos acomete e mata nossos jovens, ou melhor parte de nossos jovens. O mundo condena, diz que não se pode generalizar e misturar os casos extremos com uma determinada confissão religiosa ou grupo humano, até você que lê esta coluna também pensa assim.
Aqui, fazemos a mesma coisa, só que com maestria. Um mesmo grupo vem sendo exterminado sem pausa, desde o início desta nação, e ainda continuamos a assistir, com total falta de ação concreta, ações cada vez mais absurdas cometidas contra esse grupo e simplesmente nada é feito.
O fato de um grupo de jovens negros estar no interior de um carro acima da média, em um bairro popular e usando boné, os sentenciou. Alguém tem que pagar a conta de tanta ousadia. Quem vai parar a polícia militar treinada para caçar jovens negros?
Não há despreparo na polícia militar, há uma mentalidade de hunter, caçador, uma atitude predatória, alimentada pelo ódio racial travestido de convivência pacífica e demonstrado nas tabelas de homicídios ocorridos entre jovens, negros em todo o Brasil. Não somos racistas e nem temos mentalidade escravocrata. Mas deixa estar uma boa menina pra cuidar de suas crianças, a preço de final de feira, sobrinha daquela empregada de anos da sua mãe ou da sua tia.
Afinal de contas é melhor ela estar na sua casa, trabalhando, comendo, do que à mercê dos perigos das favelas ou da tristeza de uma vida muito mais dura no interior não é mesmo?
Ninguém é preconceituosos até o próximo menino de rua furtar alguém e você torcer para que ele seja trucidado pelo primeiro troglodita que aparecer.
É isso gente, assim vamos nós daqui, com muita gente sendo Charlie, e lastimando os atentados contra as vidas francesas, mas nem aí pras milhares de vida que se perdem com o seu consentimento. Não queremos discutir a polícia que temos porque ela serve bem aos interesses desta sociedade mediana em todos os sentidos, porque os ricos nem precisam dela. Gente pobre, negra, parda e não branca, morando mal, ganhando pior ainda, odiada pela sociedade, mas que a serve fielmente, matando outros pobres, negros, não brancos e pardos e ainda, morrendo aos montes, por nada.
É preciso encontrar uma saída, porque enquanto temos parlamentares que perdem seu tempo a produzir leis como estas, e uma sociedade que apoia a pena de morte de um grupo humano, ainda que oficiosamente, é sinal de que estamos muito mal.
“A nossa luta é todo dia. Favela é cidade. Não à GENTRIFICAÇÃO e ao RACISMO, ao RACISMO INSTITUCIONAL, ao VOTO OBRIGATÓRIO e à REMOÇÃO!”
*Membro da Rede de Instituições do Borel, Coordenadora do Grupo Arteiras e Consultora na ONG ASPLANDE.(Twitter/@ MncaSFrancisco)