Ver mulheres negras reverenciadas, com destaque midiático mundial e sendo associadas a atributos positivos, tais como talento, competência e dedicação, definitivamente, não é uma cena comum aos nossos olhos, por isso fomos inundados por esse sentimento coletivo de vitória sem nos importarmos com quem ficaria primeiro lugar: se uma atleta brasileira ou uma estadunidense. Simplesmente vibramos em vê-las no pódio. Nessa excepcionalidade conseguimos ter a certeza de que bastaria oportunidade para que a máxima “Pretas/as no topo” fosse algo mais palpável alcançando cada vez mais dos nossos.
O que nós, pessoas negras, poderíamos fazer para tornar viável a construção de um caminho de vitórias, entendidas como políticas públicas com centralidade na comunidade negra brasileira? Em um ano eleitoral a resposta pode estar nas urnas, embora este seja um desafio que carrega também o risco de que trajetórias sejam interrompidas brusca e violentamente ao se enveredar no campo de disputa da política institucional, como ocorrera com Marielle Franco, em 2018, deixando o alerta de que pessoas negras em geral e mulheres negras, em particular, vinculados a pautas progressistas e das esquerdas precisam estar atentas e fortes na atuação político-partidária, pois o ódio quer nos aniquilar simbólica e fisicamente.
Historicamente a inserção feminina na política é algo recente e, no Brasil, conta com nove décadas completas tendo sido mote para longos debates no campo da moralidade patriarcal tendo homens como principais interlocutores. A conquista do voto foi um dos capítulos mais polêmicos e cercado de restrições machistas para que mulheres continuassem sub representadas neste lugar que não foi pensado para elas. A prova de que houve êxito é, ainda hoje, a representatividade feminina manter o caráter de secundário mesmo mulheres sendo maioria do eleitorado brasileiro chegando a 53% em 2022. Os esforços institucionais para incentivar o protagonismo feminino na política, a exemplo da Comissão Gestora de Política de Gênero do TSE (TSE Mulheres) e criação do projeto #ParticipaMulher são importantes ações para fazer valer a lei de cotas de gênero ( 9.504/97) embora ainda encontrem mecanismos de burla nos quais partidos tentam forjar candidaturas laranjas de mulheres para acessar recursos destinados especificamente a candidaturas femininas.
Racializar a questão da representatividade política de mulheres não é apenas necessário como também confirma o pensamento da filósofa Sueli Carneiro ao apontar que o poder e as mulheres negras sempre foram vistos na dimensão do inconciliável, basta olhar em sua cidade para uma óbvia constatação. Quantas mulheres negras já ocuparam cargos públicos eletivos? Na Câmara municipal, quantas estão na vereança? A prefeitura já fora liderada por uma mulher preta? E se somarmos à raça o componente progressista que, ideologicamente, se comprometa com as pautas da/para comunidade negra, quantas restarão em sua localidade?
Se a suspeita se confirmar e o número for um total de zero mulheres negras precisamos refletir acerca dessa ausência, ir à raiz do problema, a intersecção do racismo e do machismo produtores de um ( não) lugar muito específico impactando nossas trajetórias pessoais bem como a coletividade, além de nos questionarmos: por que não elegemos as nossas? Integrar uma maioria menorizada, empobrecida e excluída dos espaços do poder não irá produzir resultado diferente do que está posto e a branquitude te todo empenho em perpetuar para o bem dos seus privilégios.
O pódio triplo de mulheres negras na Olimpíadas de Paris, que fez da Rebeca Andrade a brasileira com o maior número de medalhas da nossa história, nossa preta laureada, precisa servir como um sopro de esperança sinalizador de novos tempos e, principalmente, de um projeto de sociedade que permita nos movermos coletivamente da base perversa que nos asfixia. Cor, gênero e condição socioeconômica nos constituem como ser político, inevitavelmente.
Exorto a todas e todos: prestem atenção nas candidatas negras de sua cidade, pois podem carregar o ouro da justiça social.
Joselice Souza – Professora de História da educação básica ( SEC-BA), mestra em Educação, feminista antirracista.
** ESTE ARTIGO É DE AUTORIA DE COLABORADORES OU ARTICULISTAS DO PORTAL GELEDÉS E NÃO REPRESENTA IDEIAS OU OPINIÕES DO VEÍCULO. PORTAL GELEDÉS OFERECE ESPAÇO PARA VOZES DIVERSAS DA ESFERA PÚBLICA, GARANTINDO ASSIM A PLURALIDADE DO DEBATE NA SOCIEDADE.