Como negro nascido e crescido em Chapadinha – MA, venho experienciando conhecimento por histórias, pela tradição oral, acadêmica e virtual de outrxs negrxs. Na minha busca por nossas histórias (afrochapadinhenses), tento filtrar o que existe dentro das referências bibliográficas da História da minha cidade e me deparo com uma História de pretxs que por décadas vem sendo esquecida ou que simplesmente é citada aqui e acolá de forma muito rasa, sem muita importância. Durante toda minha vida escolar (do jardim ao Ensino Médio) em Chapadinha – MA, aprendi uma História superficial do município, como um conto que não possui muitos fatos e tudo é muito romantizado; isso me fez mergulhar num rio profundo de dúvidas e porquês.
Por Lucca Adetokunbo Do Enviado para o Portal Geledés
Conhecer a história e cultura da sua terra e dos seus ancestrais é primordial para a construção identitária de um sujeito. Uma criança negra que está no processo inicial da construção da sua identidade e vive numa sociedade racista que ridiculariza e banaliza dia-a-dia as manifestações culturais e religiosas afro-brasileiras, assiste uma mídia que dita um ideal de beleza branco-europeia, é presenteada com barbies loiras ou bonecos de super-heróis brancos e quando chega na escola aprende uma história que apaga e/ou cita vagamente o papel dxs negrxs no surgimento da sua cidade/Estado/país; infelizmente se tornará um adulto que rejeitará a sua negritude e os seus semelhantes. Essa foi a realidade de muitxs negrxs e ainda é de muitas crianças negras do Brasil. Foi a minha realidade e continua sendo de muitas crianças afrochapadinhenses.
Em 2014, fui morar na cidade de São Luís – MA por conta do meu ingresso no para estudar o curso de Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA. Na academia, comecei a problematizar essas questões e a ministrar oficinas de Teatro de Bonecos e Educação Étnico-racial direcionadas para professorxs da Educação Infantil e para o público infanto-juvenil. No entanto, ao passar do tempo as inquietações sobre a minha cidade natal só foram aumentando e recentemente, por conta da distância, decidi criar uma página na rede social Instagram que falasse da temática afro no município de Chapadinha – MA.
O perfil @chapadadasnegras é um espaço virtual de empoderamento negro que visa a valorização e reconhecimento da cultura e história afro-brasileira da cidade de Chapadinha – MA, e também é um meio de enaltecer a beleza de negros e negras chapadinhenses através da publicação de fotos que os mesmos enviam via direct do perfil. A @chapadadasnegras foi criada em março de 2016 e em menos de um mês já possui mais de 300 seguidores e muitos comentários parabenizando a iniciativa. A página é só o primeiro passo, em breve pretendo voltar para a minha cidade e desenvolver ações como as oficinas e projetos que venho desenvolvendo em São Luís.
Resistência Negra na História de Chapadinha – MA
Chapadinha está localizada na região Leste do Estado do Maranhão, possui uma população estimada em 78.348 habitantes (IBGE/2016) e uma área territorial de 3.247,385 km². Segundo historiadores, Chapadinha nasceu por volta do século XVIII, com fixação em 1783, e era aproximadamente a 5.000 metros do centro da cidade na direção Sul, mais precisamente no atual bairro Aldeia. Naquele local se encontravam descendentes dos índios Anapurus da Tribo Tupi, os mesmos habitantes terras do baixo Parnaíba, localizada na estrada entre o Porto da Manga (atualmente cidade de Nina Rodrigues) e Vila de Brejo (atualmente cidade de Brejo) natural das boiadas, de onde demandava Caxias e Piauí, ou daí procediam rumo à capital do Estado.
Em face da topografia plana e da predominância de mulheres negras entre seus primeiros habitantes, o povoado recebeu a denominação de Chapada das Mulatas (daí a referência para o nome da página do Instagram). O povoado prosperou rapidamente, atraindo comerciantes e outras famílias.
Vale ressaltar que Chapadinha foi um dos territórios maranhenses que foi palco da revolta da Balaiada durante o período colonial. A Balaiada foi uma revolta que eclodiu na província do Maranhão, entre os anos de 1838 a 1841. Nesta época, as camadas sociais que mais sofriam com a situação eram os trabalhadores livres, camponeses, vaqueiros, sertanejos e escravos. A fome, a miséria, a escravidão e os maus tratos constituíram os principais fatores de descontentamento popular que motivou a mobilização dessas camadas sociais para a luta contra as injustiças sociais.
A partir daí começaram as investidas contra fazendeiros e grandes proprietários de terra. Foram vários combates principalmente nos vales de duas hidrografias maranhenses, chegando a atingir aos povos sitiados no Golfão Maranhense, do qual faz parte o rio Munim que integra o ecossistema natural do atual município de Vargem Grande, antiga Vila da Manga do Iguará, local de início da Guerra da Balaiada que se estendeu até aos Estados do Ceará e Piauí.
Com eclosão da balaiada na vila da Manga, os revoltosos não encontrando ali ou em Vargem Grande os recursos necessários às suas intervenções, deslocaram-se seguidamente para Chapadinha que sofreu inúmeras depredações. Ali, mais especificamente no lugarejo Angico, a 12 km, construíram seu forte.
Visando dar fim à rebelião e, ao mesmo tempo, livrar a vila de Brejo de qualquer invasão por parte dos rebeldes já que os mesmos se encontravam em Chapadinha, distante aproximadamente daquela vila 80 km, o seu prefeito enviou correspondência ao Comandante das Forças da Legalidade, Capitão Pedro de Andrade solicitando ajuda o qual foi atendido imediatamente.
Nascido por volta de 1802, em Sobral no Ceará, Cosme Bento de Chagas chegou como negro alforriado ao Maranhão, ainda jovem – não se pode afirmar ao certo essas datas. O Negro Cosme tornou-se um dos líderes da Balaiada e reuniu 3 mil quilombolas e obteve o apoio de todos eles, o que trouxe a revolta traços raciais que poderiam ser facilmente relacionados a questão de desigualdade existente no local.
Entre os quilombos que tiveram participação relevante na Balaiada podemos citar o Quilombo Lagoa Amarela era localizado no território que atualmente é o município de Chapadinha – MA. É importante também destacar a preocupação de Negro Cosme com a educação: é dele a primeira iniciativa (registrada) da criação de uma escola de ensino de leitura e escrita no quilombo, em Lagoa Amarela (CUNHA, 1999, p. 81). Sobre a existência dessa escola a pesquisadora Marileia Cruz (2005) relata:
[…] fomos informados no Arquivo Público do Estado do Maranhão de que há precária existência de fontes sobre o assunto, uma vez que esse quilombo teve uma existência limitada a dois anos, sendo posteriormente dizimados todos os seus habitantes, em decorrência da Guerra dos Balaios. Sua referência documental é expressa em uma comunicação nos altos do processo desencadeado no período contra o líder dos balaios. Contudo, esse fato por si permite que possamos inferir que mesmo durante o Império já era comum a preocupação dos negros em apropriarem-se dos saberes na forma escolar. (CRUZ, 2005. p. 28)
Pelo Decreto Estadual Nº 36 de 17 de outubro de 1890, o povoado Chapada das Mulatas foi elevado à categoria de Vila, com o nome de Chapadinha. Em 29 de março de 1938, Chapadinha foi elevada à categoria de cidade.
Por fim, conclui-se que esta cidade, como milhares de cidades brasileiras, apresenta um legado histórico de resistência negra muito marcante no processo do seu surgimento e tal legado deveria ter mais visibilidade e importância nas salas de aulas das escolas chapadinhenses, como visa a Lei 10.639/03 de obrigatoriedade do Ensino da História e Cultura Africana e Afro-brasileira.
* Gleydson de Castro Oliveira (Lucca Adetokunbo): Filho de quebradeira de coco babaçu, artivista negro e estudante de Licenciatura em Teatro pela Universidade Federal do Maranhão – UFMA, com período sanduíche em Artes Escénicas para la Expresión Teatral pela Universidad de Guadalajara, no México.