Negras empreendedoras: a mulher por trás da marca referência em cabelos crespos

Em sua nova coluna, Stephanie Ribeiro entrevista a fundadora da Makeda Cosméticos

por Stephanie Ribeiro no Revista Marie Claire

Sheila, fundadora da Makeda Cosméticos (Foto- Marino Mirante : Divulgação)

A Makeda Cosméticos foi uma das principais inspirações para a série Empreendedoras Negras que vem sendo publicada na minha coluna. À convite de Sheila, fundadora da marca, visitei a loja no Shopping Light e foi amor à primeira vista. Além de o estabelecimento ser considerado o primeiro a ter uma negra como gestora naquele prédio, os produtos são pensados para as necessidades de nossos cabelos. É ótimo para quem usa dreads e tranças. Tudo isso levando a sustentabilidade em consideração.

Sheila, que atende pessoalmente cada cliente, ainda tem uma história encorajadora. A seguir, leia a entrevista com a fundadora da marca de 15 produtos, cujo investimento inicial foi de R$ 4 mil, e surpreenda-se.

Stephanie Ribeiro: Sua infância foi marcada por abandono paterno e racismo. Como, em meio às dificuldades, se envolveu com o universo da beleza?

Sheila: Minha mãe, Sandra Antonio, ficou órfã aos dois anos de idade. Ela cresceu sonhando em ser cantora e em estudar. Se casou, teve duas filhas, e até fez vários cursos gratuitos, um deles cabeleireira, mas a violência doméstica desfez o sonho de uma família feliz. Meu pai foi embora nos deixando em situação de despejo. Eu tinha sete anos de idade na época e estava abalada com tudo. Foi assim que comecei a dormir na escola. A psicóloga de onde estudava chamou minha mãe para entender o que estava acontecendo, e ao ouvir nossa história, nos ofereceu moradia e um trabalho como empregada doméstica para minha mãe. A partir daí, iniciou-se uma nova fase de nossa vida. Além de trabalhar como doméstica, minha mãe passou a vender bolo nas empresas do bairro, cachorro quente em eventos, fazer limpeza em stands de eventos. Com ela, aprendemos o que é empreender. Tempos depois ela foi aprovada em uma seleção para trabalhar como técnica capilar cabeleireira em uma empresa americana, onde eu e minha irmã também conseguimos vaga. Quando a empresa fechou, minha mãe tentou abrir um salão, mas o dono do local se recusou aceitá-la como inquilina por ser negra.  O racismo nos fez enxergar que se não havia espaço para profissionais afrodescendentes também não haveria para clientes negras. Assim, minha mãe montou o salão de beleza Arte Axé, onde aprendi a trabalhar com cabelo. Nesses 12 anos, atendemos mais de 30 mil pessoas. Lá, formávamos profissionais sem experiência para depois os contratar. Passamos a fazer pesquisa para indústrias de cosméticos e lançamos os produtos em feiras de cosméticos. Quando o salão fechou, depois que nossas colaboradoras se tornaram concorrentes seguimos caminhos diferentes. Minha mãe foi fazer artesanato e cuidar da saúde, minha irmã foi trabalhar como técnica capilar, e eu comecei um curso de teatro, além de atender clientes em casa.

SR: Como o teatro fez surgir a ideia de investir em cosméticos para cabelos afro?

S: O teatro me incentivou a buscar minhas origens, das quais passei a ter mais orgulho ainda. Foi assim que deixei meu cabelo crescer naturalmente, chamando a atenção de outras pessoas. Mas, como não havia muitos produtos para cabelos crespos no mercado, tive a ideia de criar uma linha especial. O problema era o dinheiro. Até que fui selecionada para ser promoter de uma empresa no Cirque de Soleil que pagava R$ 4 mil reais. Com a ajuda do SEBRAE e muita luta –vi o preconceito dos empresários com uma negra– encontrei uma fábrica cuja gerente, uma negra, entendeu que havia mercado para meus produtos. Ela me disse a seguinte frase: “Hoje você começa com um e amanhã você está com uma linha completa, você é uma rainha e você veio pra brilhar e ativar outros brilhos”.  Saí de lá empoderada! Com essa inspiração, decidi que a marca levaria o nome de uma rainha africana. Makeda, da cidade de Axum, na Etiópia, buscava a verdade, tinha muita sabedoria. Ela era também conhecida como rainha de Sabá.  Convidei minha irmã para a parceria, que trouxe toda sua experiência em formulação de cosméticos, e começamos a pesquisar indo em feiras que traziam novidades de matérias primas e novidades, onde vivenciamos mais preconceitos. Quando chegávamos aos stands , perguntavam mais de três vezes se realmente éramos as donas da marca. Víamos vários donos de empresas sendo convidados para sentar e nós éramos atendidas de pé. Mas isso reafirmava nossa luta.

SR: Atualmente, quantos produtos a marca desenvolveu?

S: Hoje a linha possui 15 produtos para qualquer tipo de cabelo e, recentemente, lançamos dois cremes corporais. Ou seja, tem produto para cabelo crespo natural, com fios alisados, com dreads, tranças e em fase de transição capilar. Tudo sem parabenos, sal e testes em animais. Também oferecemos produtos sem óleo mineral e silicones.

SR: E quais os seus maiores desafios como empreendedora?

S: Os maiores desafio são superar o preconceito, ter preços competitivos com produtos de alta qualidade e desenvolver um sistema de venda que possa colocar os produtos MAKEDA nas mãos de cada um dos 54% de consumidores negros.

SR: Você acredita que as marcas  enxergam negros com respeito ou apenas como números que consomem?

S: As marcas brasileiras, diferentemente de outros países, não o veem como uma grande fatia no consumo, com exceção de uma empresa ou outra. Basta observar os comerciais. A situação piora quando temos de manter relações comerciais, aí somos invisíveis. Alguns diretores de grandes se assustam ao verem uma negra na gestão.  A MAKEDA não só tem consciência de que 54% da população é negra, mas a conhece e sabe onde vive. Esta é nossa virtude. Nos fortalecemos diante de nosso propósito em levar empoderamento e autoestima para mulheres com qualquer tipo de cabelo, especialmente o crespo ou cacheado natural.

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