Negras, no Brasil, são as pessoas autodeclaradas pretas ou pardas

Condições socioeconômicas e estratégias coletivas de enfrentamento ao racismo dizem mais que percepções

“Promover o fortalecimento da identidade racial de negras e negros nos bairros, periferias, comunidades, favelas, escolas, universidades e presídios.”

O 12º princípio da Coalizão Negra por Direitos, que reúne 293 organizações e coletivos brasileiros, mostra que se afirmar negra ou negro é uma conquista política. Assim como raça não é categoria biológica que diferencia seres humanos, mas social, inventada pelos racistas, a percepção da própria negritude não é natural, é autodeterminação no enfrentamento ao racismo.

Pesquisa do Datafolha divulgada neste domingo (24) mostra que 4 em cada 10 pessoas autodeclaradas pardas se afirmam negras. Uma conquista no país que acreditou por tanto tempo na democracia racial e que só tem este debate feito amplamente na imprensa a partir de 2020.

Com mais educação para as relações raciais, mais tomada de consciência crítica da branquitude, mais políticas afirmativas —oxalá também de reparação —, poderemos ver, nos próximos anos, mais pessoas pardas com orgulho de serem negras.

Porque, como já se sabe desde a década de 1970, as condições de vida de pessoas pardas e pretas são muito parecidas no Brasil. E, por isso, tanto a sociologia como o movimento negro têm razão em somar pretos e pardos como negros, mesmo que a autodeclaração parda não seja automaticamente uma declaração de negritude.

Em 2022, do total de pessoas brancas, 18,6% eram pobres, considerando-se a linha de pobreza monetária do Banco Mundial. Porcentagem muito menor que os 34,5% de pobres entre pretos e 38,4% entre pardos. Temos, portanto, indicadores de pobreza parecidos entre pretos e pardos —negros—, distantes do privilégio branco.

A proximidade entre pretos e pardos, assim como a distância dos brancos, também aparece no rendimento médio de trabalhadores: em 2021, pretos ganhavam R$ 1.764; pardos, R$ 1.814; e brancos, vamos lá, R$ 3.099.

Em julho de 2020, publiquei no UOL o texto “Nossa negritude de pele clara não será negociada“, em que afirmava as poucas conquistas rumo à equidade racial como fruto da luta de negras e negros —dos mais variados tons de pele— organizados coletiva e politicamente.

Pessoas pardas distantes dos debates raciais e das organizações coletivas podem não se perceber negras, em sua maioria, podem nem se dar conta do racismo que vivenciam.

Mas suas condições de vida, mesmo que não percebam, estão condicionadas pelo racismo brasileiro. E a luta de movimento negro —preto e pardo —não vai recuar seja lá qual for a percepção individual estimada por qualquer pesquisa.


Bianca Santana – Doutora em ciência da informação, mestra em educação e jornalista. Autora de “Quando me Descobri Negra”

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