Nota da Frente Estadual de Juristas Negras e Negros do Rio de Janeiro sobre a responsabilidade do estado em relação á vida das pessoas submetidas ao sistema prisional durante a pandemia

A FEJUNN-RJ, por intemédio desta nota, vem a público oferecer apoio às instituições defensoras das liberdades públicas, em especial à Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro – DPGE, que – incansavelmente – vem lutando para reduzir a superlotação dos presídios e das unidades de internação de adolescentes, com o objetivo de evitar o contágio pela COVID-19, durante a pandemia.

Do  FEJUNN, Enviado para o Portal Geledés 

(Foto: Reprodução/Facebook)

Temos acompanhado com muita atenção a luta da DPGE para implementação dos direitos previstos na Constituição da República. Por isso, estamos apreensivos com as negativas sistemáticas de seus pedidos de Habeas Corpus, o que, a toda evidência, parece-nos apontar para uma insensibilidade incompatível com a atual conjuntura e, sobretudo, com o princípio da dignidade da pessoa humana.

Tratando-se de um dos momentos mais difíceis da história da humanidade, espera-se que os juízes e as juízas, pelo lugar que ocupam, respondam fielmente ao juramento que fizeram de cumprir a Constituição da República.

Se isto é assim, então do Judiciário, ao qual foi dado a missão de assegurar o princípio da dignidade da pessoa humana, espera-se que responda de acordo com a função que lhes foi confiada pela Constituição, a começar pelo respeito à população negra em cujo seus ombros pesou – e ainda pesa, sem retorno – a construção deste país.

Por isso, com esta nota, pretendemos reforçar o apelo feito por várias instituições, além da sociedade civil, de que o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro siga a Recomendação n.o 62 do Conselho Nacional de Justiça– CNJ, bem como todos os dispositivos jurídicos que caminham no sentido de prestigiar a dignidade da pessoa humana.

Afinal, se a liberdade é a regra, o que faz a recomendação 62/20 não é outra coisa senão dispor o óbvio: a excepcionalidade da prisão, sendo a total restrição da liberdade a última opção.

Por isso, o artigo 316 do Código de Processo Penal, seguindo a Constituição, dispõe que os magistrados e as magistradas revisem suas decisões de prisões preventivas, no prazo de 90 dias, verificando, assim, se é nenecessário que a pessoa continue submetida ao sistema prisional.

Da mesma forma, no art. 8, §1o, I, do referido dispositivo legal, recomenda-se que se tenha motivação idônea da prisão preventiva, tendo em vista as medidas sanitárias da OMS (Organização Mundial da Saúde).

Mas não é o que tem acontecido, infelizmente, dada as sistemáticas negativas dos pedidos de Habeas Corpus feitos pela Defensoria Pública-RJ. Parece, como é costume ocorrer, absurdo, mas, antes de tudo, inconstitucional.

O que vem acontecendo, portanto, é um descumprimento não só da lei, mas também de tratados de direitos humanos internalizados pelo Brasil, bem como, de normas sanitárias as quais são necessárias para a preservação da vida.

Tal cenário se mantido, será um verdadeiro estado de coisas inconstitucionais, em desrespeito não só as normas supracitas, mas também à autoridade do Supremo Tribunal Federal.

Assim, não nos parece que seria demasia exigir de uma decisão que pode causar danos duradouros – e até permanentes –que tivesse o mínimo de apego legal, além de alteridade e sensibilidade.

O que se requer , portanto – e que fique bem evidenciado isso –, não é um desencarceramento em massa, como alguns tentam ironizar, mas apenas que as pessoas submetidas ao sistema prisional tenham seus direitos garantidos e que o poder judiciário – responsável pela aplicabilidade da lei – cumpra-a, preservando vidas. É o que exigimos: respeito à legalidade constitucional e preservação das vidas!

Desta forma, nos termos da Constituição e da legislação processual penal em vigor, esperamos que, em face desta nota, o Tribunal de Justiça faça vivo o princípio da dignidade da pessoa humana.

Quedar-se inerte ou andar de mãos dadas com a barbárie, sobretudo neste grave momento, importa em grande desprestígio para esta instituição e também caracteriza uma demonstração de desapreço pela saúde de nossa população, em especial a população negra.


** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.

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