‘Nunca esteve tão atual’: Sueli Carneiro fala de livro sobre racialidade

Depois de 18 anos, a tese de doutorado defendida por Sueli Carneiro na Faculdade de Educação da USP e considerada uma referência para muitos estudiosos de relações raciais ganhou uma publicação como livro.

A obra “Dispositivo de Racialidade: A construção do outro como não ser como fundamento do ser” começa a chegar às livrarias de todo o Brasil neste mês, com lançamento oficial em 21 de março, Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial, no Sesc Vila Mariana, em São Paulo.

Em coletiva de imprensa realizada no Centro de Documentação e Memória Institucional (CDMI) de Geledés, Sueli Carneiro falou sobre as razões que levaram o livro a ser publicado somente agora, quase duas décadas após a defesa da tese.

“Eu pessoalmente nunca me empenhei em buscar publicação, nunca pedi para ninguém. Eu esperava e gostaria que o próprio departamento onde a tese foi defendida se ocupasse de fazer isso e não fizeram. Mas eu tinha convicção de que essa tese faria um caminho e eu fui me acostumando e me satisfazendo com o percurso que ela fez”, contou.

Durante o processo editorial para a publicação do livro, a editora Zahar constatou que mais de 35 mil downloads da tese foram feitos na internet. Na obra, a filósofa aplica os conceitos de dispositivo e de biopoder elaborados por Michel Foucault ao domínio das relações raciais.

Amparada na teoria do contrato racial do afro-jamaicano Charles Mills, Sueli Carneiro demonstra como este dispositivo se constitui em um acordo de cumplicidade entre os brancos para a subordinação social e eliminação de pessoas negras. Esse contrato se efetiva também no epstemicídio, que busca inferiorizar o negro intelectuamente de diferentes maneiras.

Para Sueli Carneiro, a publicação do livro acontece em um momento político do Brasil em que as pessoas terão mais facilidade de entender suas reflexões.

“A tese surge como um livro em um momento que sua compreensão nunca foi em outro momento mais clara. Especialmente depois da experiência recente com o bolsonarismo, onde a dimensão fascista sempre esteve latente na sociedade. O supremacismo branco se expôs em um conjunto de coisas que eu relato neste trabalho, mas que até então estavam muito escondidas e distorcidas pelo mito da democracia racial”, explicou.

Foto: Natália Carneiro/Geledés

‘Minha tese nunca esteve tão atual’

A filósofa também citou como exemplo a discussão em torno do perfilamento racial, termo dado ao processo pelo qual as forças policiais se fundam em fatores raciais em vez de evidências objetivas durante as abordagens.

Nos últimos dias, o STF (Supremo Tribunal Federal) começou a julgar as provas usadas para a decisão do  Tribunal de Justiça de São Paulo, que condenou um homem negro a sete anos de reclusão por tráfico de drogas por porte de 1,53 grama de cocaína.

“Vivemos um momento de radicalização do conflito racial no Brasil, em que meus argumentos ficam cada vez mais transparentes. Eu assisti a sustentação oral sobre o perfilamento racial e pensei que minha tese nunca esteve tão atual. Talvez esse seja esse momento mais oportuno para esse trabalho vir à luz como publicação”, pontuou.

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