“No dia 14 de maio, eu saí por aí
Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir
Levando a senzala na alma, subi a favela
Pensando em um dia descer, mas eu nunca desci
Zanzei zonzo em todas as zonas da grande agonia
Um dia com fome, no outro sem o que comer
Sem nome, sem identidade, sem fotografia
O mundo me olhava, mas ninguém queria me ver
No dia 14 de maio, ninguém me deu bola
Eu tive que ser bom de bola pra sobreviver
Nenhuma lição, não havia lugar na escola
Pensaram que poderiam me fazer perder
Mas minha alma resiste, o meu corpo é de luta
Eu sei o que é bom, e o que é bom também deve ser meu
A coisa mais certa tem que ser a coisa mais justa
Eu sou o que sou, pois agora eu sei quem sou eu
Será que deu pra entender a mensagem?”.
(LAZZO MATUMBI, 2019)
O Amargo Dia Seguinte à Abolição!
Com a assinatura da Lei Áurea pela Princesa Isabel, em 13 de maio de 1888, a escravidão foi finalmente abolida no Brasil. Contudo, como bem adverte o músico negro baiano Lazzo Matumbi (2019), “Não tinha trabalho, nem casa, nem pra onde ir”. Esta era a crua realidade que se impôs à população negra recém-liberta, carregada de desafios e incertezas.
Após séculos de cativeiro, os ex-escravos se viam diante da árdua tarefa de construir suas vidas em liberdade. Sem nome, identidade ou pertences, esses homens e mulheres enfrentavam um mundo que os observava, mas não os queria enxergar. Privados de bens, terras ou qualquer forma de sustento durante a escravidão, a transição representava um momento de extrema vulnerabilidade, em que a ausência de políticas públicas de apoio se tornava ainda mais evidente.
Sem oportunidades de trabalho, educação ou moradia, a população negra recém-liberta enfrentava a marginalização e a discriminação em uma sociedade que ainda não estava preparada para integrá-los. Muitos ex-escravos acabaram migrando para as periferias das cidades, formando comunidades carentes e precárias, na luta pela sobrevivência.
Nesse cenário, a reintegração social dos libertos tornou-se um grande desafio. Sem políticas de reparação e de inserção no mercado de trabalho, os ex-escravos e seus descendentes foram deixados à própria sorte, tendo que construir suas vidas a partir do nada, em meio a barreiras sociais e econômicas que pareciam intransponíveis. Contudo, Matumbi destaca que o vocativo desse sujeito histórico sinaliza que “minha alma resiste, o meu corpo é de luta”.
Apesar da euforia inicial com o fim da escravidão, o dia 14 de maio de 1888 revelava uma realidade amarga. A abolição, embora tenha representado um importante passo rumo à igualdade, não foi acompanhada de ações efetivas para a integração social e econômica da população negra. Esse período marcou o início de uma longa jornada de luta por oportunidades, reconhecimento e a construção de uma sociedade verdadeiramente justa e inclusiva.
O dia seguinte à abolição simbolizava a árdua transição de uma estrutura social escravista para um novo paradigma, em que os ex-escravos precisariam conquistar, por si mesmos, seu espaço e seus direitos. Essa realidade evidenciou a necessidade de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial e a reparação histórica das desigualdades impostas pelo sistema escravista.
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