O feminismo Frozen e a sororidade seletiva

Eu sempre fui viciada em filmes, e isso quando criança era direcionado aos desenhos animados. Ao longo da minha vida inconscientemente eu sempre buscava personagens que fossem semelhantes a mim, seja na forma de agir ou na aparência, mesmo. Quando lançaram Frozen como o filme feminista da Disney algo me incomodou. Mas só agora consegui desenhar na minha cabeça toda a complexidade desse fato.

Por Stephanie Ribeiro no Imprensa Feminista

Eu vi Frozen, vi duas irmãs que se amam, e por amor uma salva a outra, lindo? Muito. Eu faria isso pela minha irmã, afinal ela é muito importante para mim, e não consigo imaginar nada de ruim acontecendo com minha pirralha. Mas será que todas nós faríamos isso por uma estranha? O feminismo prega que somos todas irmãs, acho fácil amar quando existem vínculos de sangue no caso do filme e ainda mais ela sendo sua única família (elas são órfãs). Ou quando a outra é semelhante, será que as princesas salvariam uma das camponesas ou até mesmo uma das suas empregadas?

Eu percebo muito uma aproximação entre as “iguais”, as pessoas dão o nome de “panelinhas”, mas é fato que conforme a vida de cada mulher fora do feminismo, acabamos mantendo mais contato e criando mais afinidade com quem passa por coisas parecidas, tem os mesmos acessos, seja a privilégios ou a falta deles. Eu, por exemplo, converso mais com mulheres negras e mantenho com elas uma relação de irmandade mesmo.

Contudo até que ponto quando uma minoria, no caso as negras, as trans, as gordas, as lésbicas, as mães e todas as outras que carregam mais de uma opressão em seu dia a dia, não fazem isso como forma de defesa? Porque afinal o feminismo muitas vezes é excludente, pela falta de empatia e interseccionalidade das próprias feministas.

Quando falamos de Frozen, muitas se viram nas princesas, brancas, inocentes, que se amam, só que eu não me vejo nelas.

Eu busquei no meu passado e me vi muito mais na Pocahontas, a índia que está na lista de princesas da Disney, por ser filha da tribo, só que ninguém lembra que é princesa. Eu só vi o primeiro filme, o que realmente teve repercussão e nesse vejo uma mulher ligada a sua cultura, madura, independente, que enfrenta o próprio pai e salva sua comunidade, a heroína do filme. Sempre me vi nela, até porque não era branca e isso me aproximou muito, porém ela nunca foi chamada de feminista.

Jasmine também tem a mesma característica que até então as outras princesas não tinham, a de não ser estática esperando a salvação do amor da sua vida. A Mulan é sempre vista como o grande exemplo, ela que enfrenta a guerra para proteger seu pai e salva a China, uma guerreira, uma feminista que quebra paradigmas, assim como a Esmeralda no filme do Corcunda de NotreDame, que enfrenta o que seria a representação do patriarcado o Frollo. Uma cigana, não branca, destemida, uma das personagens principais do filme, forte, justiça e ainda é acusada de bruxaria como muitas mulheres foram na vida real. Ela tem inúmeros pontos que a ligam com o feminismo inclusive é considerada uma grande heroína pela própria Disney, mas nunca vi ela sendo vista como feminista, por nós.

Eu chorei vendo a Princesa e o Sapo. Considero que o filme tem vários equívocos, mas eu me senti muito radiante com uma princesa negra, tanto que me rendi as emoções. Incomoda-me ela ter sido um sapo o filme todo sim. Mas comecei a olhar por outro lado. Tiana é destemida, seu sonho não é um casamento, mas o próprio negócio, ela enfrenta várias situações, é vencedora, e no final ela coloca o príncipe para trabalhar no restaurante que ela sonhava e conseguiu, quebrando aquela ideia de que ou você é feliz sendo a mulher ou é feliz na carreira.

Outro fato que eu gosto é que o príncipe não é perfeito, é secundário, pois a personagem mais complexa acaba sendo ela, e ele também não aparece no final e se apaixonam e fim. Eles estão juntos o filme todo, inclusive conseguindo detectar defeitos em ambos. Acho a Tiana outro exemplo que poderia ser lido como feminista, seguindo o padrão Frozen, mas não foi.

Enfim, acho que todas no fundo trazem mulheres que se aproximam de mim e de outras, mesmo com inúmeros clichês em todos os filmes, como também acontece em Frozen, mas diferente das princesas irmãs, elas não são semelhantes a quem fez do filme das irmãs que se amam, uma referencia para o feminismo e não geram aproximação e nem interesse de determinados grupos, dentro do próprio movimento. Sim, esse texto é sobre a falta de se conseguir ver na outra. Sendo assim, como podemos falar de irmandade e sororidade?

Tem um trecho de um livro que gosto muito:

A falsa idéia da Sororidade Universal

Feministas ocidentais foram e são aficionadas pela idéia de “Sororidade“. O termo refere-se a um universalismo entre mulheres. Elas conceitualizam mulheres como um coletivo, de gênero comum, um grupo oprimido em uma sociedade patriarcal. O termo “sororidade“ assume a crença geral numa união entre todas as mulheres do mundo – as irmãs – e um anelo por cumplicidade feminina sem um mundo dominado pelo masculino. Quando contextualizada, essa ideia pode ser muito empoderadora, mas caso não seja, ela perpetua uma falsa e simplicista suposição que nega a história da escravidão, do colonialismo e do racismo nos quais as mulheres brancas usufruíram do poder masculino branco, tanto sobre mulheres negras, quanto sobre homens negros.

Esse modelo de mundo dividido em homens poderosos e mulheres subordinadas tem sido veementemente criticado por feministas negras, primeiro, porque nega estruturas de poder racistas entre diferentes mulheres; segundo, porque não é capaz de explicar porque os homens negros não lucram com o patriarcado; terceiro, porque não considera que, graças ao racismo, o conceito de gênero no caso da mulher negra é construído diferentemente do conceito de feminilidade branca; e finalmente, porque esse modelo implica um universalismo entre mulheres que coloca gênero em primeiro lugar e como único foco da atenção, e a partir do momento em que „raça“ e racismo não são pautados, ele relega a mulher negra à invisibilidade.

Tradução Aline Djokic

 

Leia Também:

Alternativas de mídias infantis para famílias feministas – Por: Carolina Pombo

Malévola, Frozen e Valente: o amor entre mulheres começa a despontar

+ sobre o tema

O silêncio das mulheres negras

Os últimos dias me exigiram um silêncio doloroso, mas...

Racismo e negritude – Autoestima – Bloco 1

O número de pessoas que se declaram pretas ou...

Mulheres negras trabalham mais que os homens em funções não remuneradas em AL, diz IBGE

Um estudo divulgado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e...

Blue Ivy e o racismo que vai até o fio de cabelo

Semana passada surgiu na internet um abaixo-assinado pedindo que...

para lembrar

“Na cultura patriarcal, as pessoas aprenderam a odiar a si mesmas”, por Claudio Naranjo

O psiquiatra chileno Claudio Naranjo tem um currículo invejável....

Mulheres sofrem três vezes mais assédio sexual nas empresas do que os homens

Um levantamento, produzido pela empresa de gestão de recursos...

Negras brasileiras trazem sua contribuição para os debates da CSW

Evento paralelo à Comissão sobre o Estatuto da Mulher...

Qual o problema de um atleta ser gay?

Ficamos revoltados quando um jogador de futebol negro é...
spot_imgspot_img

Luta das mulheres voltou a pautar as ruas em 2024 e acendeu alerta para o retrocesso

A luta pelos direitos das mulheres no ano de 2024, que começou de maneira relativamente positiva para a luta das mulheres, foi marcada por...

Apenas cinco mulheres se tornaram presidentes nas eleições deste ano no mundo BR

A presença feminina nos mais altos níveis de liderança política permaneceu extremamente baixa em 2024. Apenas cinco mulheres foram eleitas como chefes de Estado...

Cidadania para a população afro-brasileira

"Eu gostaria que resgatassem um projeto desse sujeito extraordinário que foi Kwame Nkrumah, panafricanista, de oferecer nacionalidade de países africanos para toda a diáspora",...
-+=