O fim do “apartheid” na educação brasileira

Escrito por Serys  Slhessarenko

 

Apartheid. Um regime que foi abolido quando se realizaram as eleições de 1994, na África do Sul. A palavra cuja tradução é “vida separada”, e naquele país, significou que os brancos detinham o poder, e os povos restantes – os negros, principalmente – eram obrigados a viver separados dos brancos, de acordo com regras que os impediam de ser verdadeiros cidadãos. Ao meu ver, algo semelhante acontece no Brasil, porém no plano educacional.

 

 

 

Fui professora por mais de 20 anos na Universidade Federal de Mato Grosso e me recordo que eram poucos negros ou índios que frequentavam cursos superiores.

Quem possui graduação, pode atestar o que escrevo, seja em universidade pública ou privada.

 

Você se lembra de quantos negros estudavam em sua sala de aula, na época da faculdade? Ouso até dizer sobre quantos negros ou índios você conhece que são médicos, advogados ou dentistas, por exemplo?

A resposta, com certeza, será um número pequeno. No entanto, contrapondo a ínfima quantidade destas etnias presentes nas universidades, no Brasil, de acordo com a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2006, aferida pelo IBGE, verificou-se que 6,9% da população brasileira se declara negra, e 42,6% se declaram pardos, ou seja: mulatos, caboclos ou cafuzos. Nesta conta, então, mais de 50% dos brasileiros são afro-descendentes, não tem a pele branca.

 

Algo está errado. Os afro-descendentes não estudam? Não são capazes de conseguir uma vaga na universidade?

Na verdade, cursar uma graduação superior no Brasil ainda é sinônimo de regalia. Somente brancos e aqueles que possuem boa condição financeira estão freqüentando os bancos escolares de graduação superior. Igualdade nas oportunidades e nos resultados. Queremos aplicar uma ação afirmativa no Brasil, um combate à discriminação racial já enraizada em nosso país. Queremos corrigir ou abrandar a discriminação praticada há anos, principalmente na área educacional.

 

O projeto de cotas para as universidades públicas, que tramita há dez anos no Congresso Nacional, trabalha em três vertentes de inclusão, buscando não criar o chamado beneficiamento racial. Primeiro ele reserva 50% das vagas para alunos que tenham cursado todo o ensino médio em escola pública, dentre estes alunos a metade deverá ter renda familiar per capita não superior a 1,5 salários mínimos.

 

A grande justiça racial está na necessidade de que do total de alunos beneficiados pelas cotas haja o respeito a proporção de negros, pardos e índios na população do Estado onde se encontra a Universidade ou Escola Técnica Federal, segundo o último censo do IBGE.

 

Tal recorte será aplicado sobre o todo, permitindo o ingresso de alunos que representem um retrato da sociedade daquele Estado, não criando nenhuma distorção racial. A reserva de vagas apenas para escola pública perpetuará a exclusão do negro, pois até entre as escolas públicas há diferença de qualidade, sendo as escolas mais centrais e conceituadas um reduto da classe média branca. Ou alguém conhece algum colégio militar ou de aplicação com mais de 50% de negros? Negros e pardos têm reserva de vagas, sim, nas escolas periféricas e com pior infraestrutura.

 

As cotas não fazem parte de uma política de inclusão social, mas sim uma política afirmativa de valorização do negro, acabando com a cultura do espanto, aquela que nos deixa boquiabertos quando somos atendidos por um advogado negro ou um médico índio ou, ainda, um arquiteto pardo e, principalmente, provar que negro pode ter qualquer carreira profissional, e não apenas os chamados sub-empregos.

 

O combate ao racismo institucionalizado na sociedade será mais eficaz quando o negro deixar de ser visto apenas como o subalterno, a empregada doméstica, ou qualquer outro emprego socialmente desvalorizado. Não que estes empregos não sejam importantes e valorosos, mas a reserva de vaga para estes é superior a 80% para negros e pardos, por outro lado as cotas para negros em profissões valorizadas como advocacia e medicina são inferiores a 1%.

 

Enegrecer a universidade pública é acabar com a cegueira branca que turva a visão de nossa sociedade, que faz acreditar que vivemos em uma democracia racial. Podemos até conviver em harmonia com negros e brancos, desde que os negros sirvam os brancos universitários. É uma forma de acabar com “apartheid” brasileiro.

Serys Slhessarenko é senadora (PT-MT). 24horasnews.com.br Publicado em 06 de abril de 2009

 

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Entrevista com Mario Sergio Cortella

Contardo Calligaris – Raças e cotas

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José Jorge de Carvalho – Cotas: uma nova consciência acadêmica

Átila Roque – As cotas e a ditadura do pensamento único

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