depois do enorme sucesso de minha passagem pelo interior da França e por Londres, chego a Roma, com grande alvoroço por parte dos curiosos.
flashes pipocam de todos os lados.
Roma é o lugar perfeito para se apreciar a decadência. essa cidade já foi a capital do Reino de Roma, da República Romana e do Império Romano.
hoje é apenas a capital da Itália.
lar da máfia e da Igreja.
alguns espertos ainda a vendem com uma pompa artificial. e os turistas, idiotizados, estão a fotografar tudo, sem o menor juízo crítico.
o Coliseu, essa abominação desumana, ruína de um tempo ruim comandado com as garras doentias de Vespasiano e Tito, está a ser fotografado com grande entusiasmo pela turistada felizona.
sinto muito, mas não sinto nada por essas catedrais. sinto pena dos artistas que se deixaram escravizar para erigi-las e adorná-las.
são mais uma peça de propaganda que uma obra de arte.
e por isso mesmo estão sujeitas a serem explodidas por homens-bombas. hoje, uma catedral é o lugar mais inseguro do mundo.
quem tiver ouvidos para ouvir que ouça.
aqui e ali, é possível ver uns imbecis vestidos de centuriões romanos sendo fotografados por outros ainda mais imbecis.
na fotografia, todos aparecem sorridentes. be your selfie.
nenhum lugar é mais adequado para se defrontar com a hipocrisia do catolicismo.
com ordens saídas daqui, homens de saiotes – como esses que cobram para serem fotografados nas praças – espancaram, esfolaram e crucificaram vivo um rebelde magricela que viveu onde hoje é a Palestina.
os mesmos romanos fizeram deste infeliz um semideus e sob o seu nome, e tendo como símbolo a cruz que usaram para assassiná-lo, formataram uma religião que prega a resiliência, a resignação, a abnegação e outras formas de se livrar da luxúria e do luxo.
em seguida ergueram suntuosas catedrais e nomearam os nababescos parasitas do Livro: padres, bispos e papas.
em seguida saíram pelo mundo, chicote na mão, convertendo povos à força e condenando outros à forca.
ao invés de fazerem uma cruz com a figueira, fizeram com ela uma fogueira, quem não aceitava beijar a cruz virava churrasco.
mais uma vez, com ordens vindas de Roma, o mundo estava de joelhos.
em 1929, o ditador Mussolini, veja que história, ao mesmo tempo que assassinava alegando defender Roma, deixou-se invadir, permitindo ao Papa Pio XI criar um país dentro de seu país.
antes, Calígula, o louco, já havia mandado trazer, do Egito, um belíssimo obelisco para adornar a praça daquele futuro país.
engana-se quem pensa que o tal obelisco é o único produto de pilhagem que adorna o Vaticano, ou que esse é o único presente doado por assassinos sanguinários.
faço essas divagações enquanto monto minha tenda na
agradabilíssima Fontana di Trevi.
os cavalos, com o salto congelado, voam com grande força muscular sobre a água que jorra da fonte; bela peça.
ao longe, mas não muito longe, uma cadeia de cerros delineiam o relevo, como uma muralha.
aqui, os gêmeos Rômulo e Remo cultuavam Júpiter e Marte. aqui, Pedro e Paulo foram imolados, como se crucificassem o Cristo outra vez.
para entender a Roma de hoje é mister assistir ao longa de Paolo Sorrentino, La Grande Bellezza.
quem tiver olhos para ver que veja.
a manhã nasce fresca na Cidade Eterna.
açoitado por delicadas borrifações brumosas vindas da fonte e indiferente à curiosidade indiferente dos sélficos transeuntes, armo a Tenda da Cafunagem com leves e diáfanos tecidos de algodão peruano.
estico o lençol no divã, sopro a brasa para aquecer a chaleira e deito-me em minha cama de pregos.
magro como convém a um faquir, nu da cintura para cima e usando um belo turbante tuaregue que trouxe do deserto do Mali.
minutos depois ouço grande alarido do lado de fora, barulhos de flashes e passos confusos. sinto que alguém adentra a tenda. abro os olhos e, vagarosamente, me dirijo ao primeiro cliente.
ele usa uma longa veste branca, tem um sorriso calmo e alvo, inclina-se reverente e se apresenta:
grande Mestre Cafuna, eólico é o seu hálito, sábias são suas palavras, homem que subiu e desceu por 20 vezes seguidas o magnífico Himalaia, com um fardo de feno nas costas; lambeu os seis sovacos de Shiva, satirizou sátiros e choveu com a chuva, chamo-me Bergoglio. sou Argentino, em Roma estou Papa.
não vim para uma consulta, continuou o papa, vim para conversarmos. antes, claro, peço que me cafune.
disse isso, tirou o solidéu que lhe enfeita a cabeça e deitou-se no divã de bamboo. cafunei Chicão por longos 33 minutos, ronronando um mantra ianomami.
servi ao pontífice uma chávena com chá de aromáticas flores silvestres, sentei-me em lótus em sua frente e o ouvi ainda mais uma vez.
Mestre Cafuna, preocupa-me também a midiotia. mas vejo que o senhor fala ainda com mais autoridade que eu, porque eu sou uma persona midiática que dirige uma Igreja versada no marketing.
o senhor é um caminhante solitário, um asceta, um misantropo, um lobo da estepe.
é sua intenção fundar uma nova religião, onde o deus-mercado e a déia-mídia são demonizados?
disse isso e calou-se.
respirei fundo, com o diafragma, e pronunciei essas palavras sapienciais:
Pequeno Gafanhoto, que não seja mais essa a tua preocupação.
se eu fundasse uma religião, afundaria minha doutrina.
falo aos homens e mulheres que sofrem com essa terrível pandemia a que chamo de midiotia, o mal do século.
fico feliz que o senhor tenha incluído o midiota como um dos enfermos sociais que precisam de cura.
Jesus, que foi um grande comunicador, também pregou contra a opressão dos que detinham o poder da voz.
ouvi, nobilíssimo bergoglio, sua pregação contra as mentiras que contam nos jornais.
por sua causa, hoje muitas igrejas estão a incluir o midiota em suas sessões de desencapetamento.
acho que o senhor, com a sua autoridade, poderia incluir a midiotia como um dos novos pecados capetais.
o senhor sabe, alguns bilionários inescrupulosos estão a intoxicar grande parte da humanidade. pregando o pensamento único.
há jornalistas condenando qualquer um que queira ser o diferentão, a moda é ser igualzão, é ser um animal de manada.
a opinião pública não é mais a opinião do público, é somente o papagaiar da opinião publicada.
jornalões e revistonas estão a narcotizar os espantalhos humanos, sempre com as mesmas idéias, ditas sempre pelos mesmos caras, sempre as mesmas caras.
o jornalista hoje é um boneco de ventríloquo da plutocracia.
essas mesmas vozes se repetem em rádios, jornais, portais, TVs e DVDs. ouvindo diversas vozes, o midiota julga está a ouvir vozes diversas, mas todos estão a proferir o mesmo discurso.
quando revistonas e jornalões combinam as mesmas manchetes sobre os mesmos assuntos, é satanás operando.
o lugar de fala destes que falam de forma onipresente é o inferno.
permita-me, hermano, mas foi assim que a sua igreja surgiu, pregando ao planeta o pensamento único.
hoje o senhor sabe o quanto isso é perigoso.
disse isso e nada mais disse.
Indiquei com um jogo de cabeça a caixa onde o papa depositaria as espórtulas.
caminhei para o meu catre pontiagudo, dentei-me e fechei os olhos.
nada mais ouvi.
palavra da salvação
** Este artigo é de autoria de colaboradores ou articulistas do PORTAL GELEDÉS e não representa ideias ou opiniões do veículo. Portal Geledés oferece espaço para vozes diversas da esfera pública, garantindo assim a pluralidade do debate na sociedade.
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