O pensamento anticapitalista de Martin Luther King Jr.

Lembro, quando tinha uns cinco anos, de ter interrogado meus pais sobre aquele monte de gente que vivia na pobreza. Posso perceber os efeitos dessa experiência de minha tenra infância em meus sentimentos anticapitalistas.

       − Martin Luther King Jr.

Testemunhamos a violência conquistando muitos entusiastas na sociedade brasileira. Mas sabemos que ela nunca esteve ausente no nosso processo histórico;  assassinatos de pessoas negras e indígenas, brutalidades contra pessoas LGBTQIA+ e as violências domésticas são situações tão frequentes que até parece que faz parte da cultura brasileira. E como se não bastasse, ainda temos que lidar com golpistas, extremamente violentos, destruindo patrimônio público e pedindo intervenção militar. Em resumo, vivenciamos um caldeirão de sangue, lágrimas e horror. Por essa razão é importante sempre celebrarmos os personagens históricos que lutaram por um mundo em que a justiça social prevalecesse, e a violência não fosse à linguagem corrente. Isso possibilita estimularmos laços de solidariedade e inspirar pessoas na luta por direitos humanos. Martin Luther King Jr.,  líder do movimento dos direitos civis e defensor da não-violência, é um desses personagens. Nos Estados Unidos, a sua homenagem ocorre anualmente na terceira segunda-feira de janeiro.

Dr. King nasceu em 15 de janeiro de 1929, Atlanta, no Estado da Geórgia. Estudou doutorado em Teologia na Universidade de Boston, e, influenciado pelo pai, atuou como ministro na Igreja Batista.  Naquela época os negros sofriam com a segregação racial assegurada pelas Leis Jim Crow (1876−1965), e para romper essa barreira que separava os negros e os brancos, Dr. King passou a defender a desobediência civil. Porém, sem que a violência fosse utilizada como recurso nos protestos e movimentos. A sua defesa apaixonada pela não-violência contribuiu para que conquistasse o prêmio Nobel da Paz conquistou, em 1964.

Ele também possuía uma característica muito pouco explorada. Dr. King era anticapitalista, mas, por razões que interessam às classes dominantes, esse pensamento político não acompanha as narrativas produzidas pelos meios de comunicação e materiais didáticos que contam a sua trajetória. Em entrevista, a intelectual bell hooks (1984)¹ comentou que a crítica ao imperialismo e militarismo são facetas de Dr. King que a escola não vai ensinar às crianças.  Portanto, deixo alguns fragmentos dos seus discursos que atestam essas questões.

Os males do capitalismo são tão reais quanto os males do militarismo e os males do racismo.” 

 “Devemos reconhecer que não podemos resolver nosso problema agora até que haja uma redistribuição radical do poder econômico e político… isso significa uma revolução de valores e outras coisas. Devemos ver agora que os males do racismo, exploração econômica e militarismo estão todos ligados… você não pode realmente se livrar de um sem se livrar dos outros… toda a estrutura da vida americana deve ser mudada. A América é uma nação hipócrita e [nós] devemos colocar [nossa] própria casa em ordem.” 

 “Quando digo que devemos questionar toda a sociedade, quero dizer que, em última instância, devemos perceber que o problema do racismo, que o problema da exploração econômica e o problema da guerra estão relacionados. Esses três pilares diabólicos estão inter-relacionados.” 

Há 40 milhões de pobres aqui, e um dia nos perguntaremos: ‘Por que há 40 milhões de pobres na América?’. E quando fizerem essa pergunta, vocês se questionarão sobre o sistema econômico e sobre uma distribuição mais ampla da riqueza. Quando fizerem essa pergunta, vocês começarão a questionar a economia capitalista. E estou simplesmente dizendo que precisamos fazer, mais e mais, essas perguntas a toda a sociedade.” 

Desde minha adolescência, eu tinha uma preocupação profunda com o abismo entre a riqueza supérflua e a pobreza abjeta, e minha leitura de Marx me tornou mais consciente desse abismo. Embora o moderno capitalismo americano tenha reduzido essa distância por meio de reformas sociais, ainda havia a necessidade de uma melhor distribuição da riqueza. Além disso, Marx tinha revelado o perigo do motivo lucro como base única de um sistema econômico: o capitalismo corre sempre o perigo de inspirar os homens a se preocuparem mais em ganhar a vida do que em construir uma vida. Tendemos a avaliar o sucesso de acordo com nossos salários ou com o tamanho de nossos carros, e não pela qualidade de nosso serviço à humanidade e de nossa relação com ela.


¹Entrevista com bell hooks
Disponível: <https://bombmagazine.org/articles/bell-hooks/>. Acesso: 11 jan. 2023


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Clayborne Carson (Org.); Martin Luther King. A autobiografia de Martin Luther King. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Clayborne Carson (Org.); Martin Luther King. A autobiografia de Martin Luther King. Tradução de Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Zahar, 2014

ENCICLOPÉDIA BRITANNICA. Martin Luther King, Jr. 

Disponível: <https://www.britannica.com/biography/Martin-Luther-King-Jr>. Acesso:10 jan. 2023

PORTAL MLK GLOBAL. Martin Luther King on Capitalism in His Own Words. Disponível: <https://mlkglobal.org/2017/11/23/martin-luther-king-on-capitalism-in-his-own-words/>. Acesso:10 jan. 2023

PRIZE NOBEL. Martin Luther King Jr. 

Disponível: <https://www.nobelprize.org/prizes/peace/1964/king/facts/>. Acesso: 11 jan. 2023


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