O preconceito e o horror humano podem ter muitas faces, e uma delas sem dúvida é a da americana Hazel Bryan. Ela tinha somente 15 anos quando protagonizou uma das mais icônicas e abomináveis imagens da luta pelos direitos civis nos EUA.
A foto mostra Hazel tomada de ódio, gritando contra outra personagem determinante dessa dura época – essa, porém, do lado certo da história: foi contra a presença de Elizabeth Eckford, uma das primeiras estudantes negras a estudar em uma escola integrada no sul dos EUA, que Hazel esbravejou – e uma foto, tirada por Will Counts, imortalizou o exato instante, como o retrato de uma época que nunca deveria ter existido, de uma sombra que insiste em não desaparecer.
A icônica foto
A foto foi tirada no dia 04 de setembro de 1957, na Little Rock Central High School, quando a escola, por determinação da suprema corte, foi enfim obrigada a receber alunos negros, e integrar as raças. O rosto da jovem Hazel, gritando uma palavra escondida na imagem estática – mas subentendida na raiva contra o gesto de simples igualdade entre todos – que hoje se tornou termo praticamente proibido nos EUA (como que exigindo seu preconceito permaneça lei, e que a jovem Elizabeth volte às correntes e à escravidão de seus antepassados) parece estampar a face de alguém perdido, que jamais alcançará redenção ou a medida do horror de seus atos.
A foto estampou os jornais do dia seguinte, se tornando parte da história, trazendo rostos inesquecivelmente marcando uma época e um mal da humanidade. Passados 60 anos desse emblemático momento congelado no tempo, enquanto Elizabeth tornou-se símbolo da luta e da resistência dos negros nos EUA, a história de Hazel por tantas décadas permaneceu incógnita. Um livro recente, porém, desvendou parte dessa vivência.
A capa do jornal do dia seguinte
Assim que a foto saiu, os pais de Hazel decidiram que era melhor tira-la da escola. Ironicamente, ela não estudou um dia sequer com Elizabeth ou os outros oito estudantes negros que entraram para Little Rock Central High School. A jovem, que, segundo ela conta, não tinha maiores interesses políticos e participou do ataque à Elizabeth para fazer parte da “turma” racista, com os anos que se passaram após aquela tarde, foi se tornando mais politizada, aproximando-se do ativismo e trabalhos sociais – com mães e mulheres pobres, em sua maioria negras, especialmente diante da percepção de sua participação numa história de racismo que ela, enfim, (inspirada pelos discursos de Martin Luther King Jr.) percebia como algo horrível.
No meio dos anos 1960, sem grandes alardes nem registros, Hazel telefonou à Elizabeth. As duas conversaram por cerca de um minuto, no qual Hazel pediu desculpas e declarou a vergonha que sentia por seu ato. Elizabeth aceitou o pedido, e a vida seguiu. Somente em 1997, no aniversário de 40 anos do fim da segregação na escola – em cerimônia presidida pelo então presidente Bill Clinton – as duas novamente se encontraram. E, como em um milagre do tempo, as duas se descobriram amigas.
As duas, em 1997
Aos poucos, começaram a se frequentar, a dar palestras ou mesmo simplesmente se encontrarem e, por certo tempo, passaram a realmente fazer parte da vida uma da outra. Aos poucos, porém, a desconfiança e o ressentimento voltaram, do público, negro e branco, tanto contra Elizabeth – acusada de diluir e limpar a história – quanto contra Hazel – como se seus gestos fossem hipócritas e sua “inocência”, uma falácia.
Entre as duas, porém, a lua de mel também mostrou-se mais complicada do que parecia, e Elizabeth começou a descobrir inconsistências e “furos” na história de Hazel – que dizia não lembrar de nada do incidente. “Ela queria que eu me sentisse menos desconfortável para que ela pudesse se sentir menos responsável”, disse Elizabeth, em 1999. “Mas a reconciliação verdadeira só pode acontecer quando há o reconhecimento honesto e total do nosso doloroso passado em comum”.
O último encontro aconteceu em 2001, e desde então Hazel especialmente manteve-se quieta e anônima – nesse ano, escreveu para Elizabeth em condolências por conta da morte de seu filho, pelas mãos da polícia.
A dureza da história dessas duas vidas que, por força do destino, tanto se cruzaram e se marcaram, serve para ilustrar como o preconceito e o ódio podem afetar nossas vidas como marcas indeléveis, que muitas vezes nem mesmo a vontade de ambas as partes é capaz de superar. Assim, é preciso combater o preconceito antes que ele floresça, sempre.