O racismo no Brasil é uma ficção, menos para quem o sente na pele

A torcedora que chama o goleiro de macaco não é racista; o colunista que escreve artigo racista no jornal não é racista. O racismo, portanto, só pode mesmo ser uma ficção criada pelos negros

por por Vinicius Wu na Carta Capital

O Brasil conseguiu desenvolver a fantástica capacidade de produzir, diariamente, casos de racismo numa sociedade na qual ninguém é racista. A torcedora que chama o goleiro de macaco não é racista; o colunista que escreve artigo racista no jornal não é racista. O racismo, portanto, só pode mesmo ser uma ficção criada pelos negros.

E agora, em nome de uma suposta “liberdade de opinião”, vai se cristalizando no Brasil um perigoso convívio com a intolerância e o fascismo em alguns dos principais veículos de comunicação do país. Estamos naturalizando insultos, agressões verbais e preconceitos em programas de tv, rádio, na internet e em artigos de jornal.

E não se trata apenas de racismo. O fenômeno é o mesmo que autoriza um sujeito a retratar o verão no jornal, exclusivamente, através de fotos de mulheres de biquini sem ser sexista ou um engraçadinho a fazer piada homofôbica na TV sem ser homofóbico.

O último episódio ocorreu no Rio Grande do Sul, onde um colunista de um dos principais jornais do estado achou normal elogiar Punta Del Este (no Uruguai) pelo fato de lá não existirem negros. No artigo há outros absurdos.

Alguns de seus colegas defenderam o veículo que os emprega elogiando a postura do jornal em acolher “diferentes opiniões”. Um outro, através dos argumentos mais simplórios, acusou aqueles que criticaram o artigo de promoverem… o ódio.

Mas, e se um chargista enviar o desenho de uma suástica para publicação no mesmo jornal? E se outro colunista resolve elogiar os campos de concentração nazistas? Deve ser publicado em nome da “liberdade de opinião”?

Alguém precisa explicar à turminha que, numa República democrática, incitação ao ódio e à intolerância não são considerados “opinião”.

O cinismo está se tornando uma espécie de religião para uma parcela expressiva de nossos “formadores de opinião”. Ética e responsabilidade não valem nada. Basta escrever depois uma notinha pedindo desculpas pelo “mal-entendido”.

Racismo, sexismo, homofobia, é claro, são praticados por pessoas “mal compreendidas” (Perdoem nossa falha!). E assim vamos reproduzindo-os impunemente.

O racismo é uma ficção no Brasil, menos para quem o sente na pele.

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