Opinião: As vidas de George Floyd e João Pedro importam

Enviado por / FontePor Jurema Werneck, do UOL

A cena chocante do segurança George Floyd, 46, sendo asfixiado pelo policial Derek Chauvin na cidade de Minneapolis, noroeste dos Estados Unidos, é uma grave violação de um direito humano fundamental: a vida. Mais grave ainda perceber que a história se repete e a vítima continua sendo negra. Não só na megapotência norte-americana, como também no Brasil. A cada 23 minutos, morre um jovem negro no nosso país, segundo levantamento feito pela Anistia Internacional na campanha Jovem Negro Vivo.

A comoção pelo assassinato de George tomou as ruas em protestos nos estados Minnesota, Geórgia, Kentucky, Nova York, Califórnia, Ohio e Colorado. E ainda que sejam legítimas as manifestações e a indignação tenham razão de acontecer, vimos uso excessivo da força por agentes do Estado contra manifestantes. Jornalistas que praticam o direito à liberdade de expressão e reunião foram presos por simplesmente fazer seu trabalho e o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, foi às mídias sociais para incitar a retórica racista.

A reação das autoridades também se repete, tanto lá, quanto aqui. Quando as forças de segurança ao invés de proteger os cidadãos, são responsáveis por suas mortes, os governantes se esquivam de suas responsabilidades.

No Brasil, a morte de João Pedro, 14, numa operação policial conjunta entre as polícias Federal e Civil causou indignação. E teve mais uma vez o Estado como responsável por encurtar a vida de negros. Por causar dor e sofrimento à família e a toda a comunidade.

O que mais falta para que assumam e implementem políticas de segurança pública que respeitem os direitos humanos e que sejam fundamentalmente antirracistas? Repito a pergunta que Marielle Franco, defensora de direito humanos, cria da favela, mulher negra, lançou, pouco antes de ser brutalmente assassinada: “Quantos mais vão precisar morrer para que essa guerra acabe?

O uso excessivo da força por agentes do Estado, inclusive o uso desnecessário da força letal, agride os direitos humanos de todas as pessoas, inclusive dos próprios policiais, desrespeita leis e protocolos, e precisa ser controlado com seriedade por todas as autoridades responsáveis pela segurança pública.

Não há nada de natural nas incursões das polícias em favelas e periferias brasileiras, sem mandado judicial, sem justificativa plausível de segurança pública e sem resultados efetivos além de mortes evitáveis. O Estado é responsável por essas mortes.

Em 2015, a Anistia Internacional Brasil lançou o relatório “Você matou meu filho” —uma profunda pesquisa com testemunhas, policiais, especialistas e autoridades públicas— e documentou inúmeras violações aos direitos humanos praticadas durante operações da polícia, como abordagens ilegais, ameaças, uso desnecessário da força, invasões de domicílio, tortura, execuções extrajudiciais e desfazimento da cena do crime.

Muitas vítimas são alvejadas nas costas, à curta distância e nos membros superiores, indicando que estavam fugindo ou rendidas no momento em que foram mortas. Não é raro que, durante essas operações, pessoas que não trabalham no tráfico de drogas também sejam mortas e provas sejam forjadas contra elas. O que vemos, nos dias de hoje, cinco anos depois, é que nada, ou muito pouco mudou.

As vidas de George, de João Pedro e de tantos outros negros e negras assassinados pelo Estado, importam e merecem justiça. Enquanto as práticas racistas não forem transformadas em políticas públicas de inclusão e não forem punidas com rigor, as autoridades continuarão a ter suas mãos manchadas de sangue.

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