Os três policiais civis investigados pelo homicídio do adolescente João Pedro Mattos Pinto, de 14 anos, mudaram as versões que deram sobre a quantidade de tiros que dispararam no dia do crime. Os agentes, lotados na Coordenadoria de Recursos Especiais (Core), deram dois depoimentos sobre o caso. No primeiro, logo após o crime, afirmaram terem dado, juntos, 23 disparos. Uma semana depois, no último dia 25, eles voltaram à Delegacia de Homicídios de Niterói, São Gonçalo e Itaboraí (DHNSGI) e afirmaram que atiraram um total de 64 vezes no dia do homicídio.
Os novos depoimentos foram prestados após a polícia concluir e divulgar que o menino havia sido morto por um tiro disparado por um fuzil calibre 556 — o projétil ficou alojado no corpo do menino, foi apreendido e periciado.
Um dos agentes — justamente o que ia à frente dos demais na incursão e fez mais disparos — admitiu, em seu segundo relato, que atirou com um fuzil calibre 556. No primeiro depoimento que prestou, logo após o crime, o policial disse que só havia usado um fuzil Parafal calibre 762, com o qual teria atirado dez vezes. Já no segundo relato, ele afirmou ter dado 31 tiros no dia do crime: 15 com o fuzil 762 e outros 16 com a arma calibre 556.
De acordo com a nova versão do agente, os disparos com o fuzil calibre 762 foram feitos quando ainda estava a bordo de um helicóptero sobrevoando o Complexo do Salgueiro, em São Gonçalo. Já o fuzil 556 passou a ser utilizado após o desembarque da aeronave, quando o policial invadiu a casa onde João Pedro brincava com cinco amigos.
No novo depoimento, o policial disse que errou no primeiro relato porque usava o fuzil 556 como “backup” em caso de pane da outra arma que levava, o fuzil 762. Ele afirmou que percebeu o erro após voltar para a base da Core e contar os cartuchos que haviam sobrado.
Os outros dois agentes que entraram na casa também revelaram terem atirado mais vezes. Um deles — que no primeiro depoimento contou ter dado oito tiros com um fuzil 556 — alegou, no segundo, que fez dez disparos com uma arma calibre 762 do helicóptero e 12 tiros de fuzil 556 na casa. Já o terceiro disse, nos dois relatos, que só atirou com um fuzil 762. Só que, na segunda versão, admitiu que também disparou da aeronave.
Morto pelas costas
Na semana passada, o EXTRA revelou, com exclusividade, que o tiro de fuzil que matou João Pedro foi disparado pelas costas do menino. A informação está no laudo cadavérico, que faz parte do inquérito que investiga o homicídio. Segundo o exame pericial, o projétil entrou no corpo pela região dorsal direita — ou seja, nas costas, abaixo da axila. A bala penetrou no corpo de baixo para cima, na direção diagonal, causou lesões nos pulmões e na base do coração do adolescente e ficou alojada na região da escápula esquerda — próxima ao ombro.
O projétil, calibre 556, foi arrecadado por peritos da Polícia Civil. Agora, a DHNSGI aguarda o resultado de um confronto balístico que está sendo feito entre o projétil e as armas dos três policiais que atiraram na ocasião. Os agentes já foram afastados e, atualmente, só realizam atividades burocráticas.
Peritos da DHNSGI apuram também a posição de João Pedro no momento em que foi atingido. Os agentes já sabem que adolescente foi baleado numa parte da sala da casa que fica cerca de 30 centímetros acima do resto do imóvel e é acessada por um degrau. Como não foram encontradas marcas de tiros no chão do imóvel durante a perícia do local do crime, os peritos praticamente descartaram a possibilidade de o projétil ter ricocheteado antes de atingir a vítima.
Uma das possibilidades analisadas é a de que o menino estivesse deitado ou agachado para se proteger dos disparos no momento em que foi baleado. No imóvel, a perícia encontrou cerca de 70 marcas de tiros espalhados por três cômodos — a maior parte deles feitos de fora para dentro.
João Pedro foi morto dentro da casa de seus tios, no Complexo do Salgueiro, durante uma operação conjunta das polícias Civil e Federal no último dia 18. O adolescente brincava com outros cinco jovens no quintal da casa no momento em que a ação começou. Os tios trabalhavam no momento da operação e não estavam no local. Segundo os amigos de João Pedro que testemunharam o crime, o grupo correu para dentro da casa quando policiais arrombaram o portão e invadiram a casa atirando.
Após ser baleado, João Pedro foi levado por policiais para o helicóptero da Polícia Civil. Seu corpo só foi encontrado pela família 17 horas depois, no IML (Instituto Médico Legal) de São Gonçalo, sem vida.
A partir da próxima segunda-feira, a família e amigos de João Pedro vão começar a prestar depoimentos ao Grupo de Atuação Especializada em Segurança Pública (Gaesp) do Ministério Público estadual. A Polícia Civil intimou parentes do menino na semana passada, mas a Defensoria Pública do Estado, que representa a família do adolescente, defende que, como policiais civis são investigados pelo crime, o inquérito deve ser conduzido por um órgão independente.