Organizações feministas divulgam nota sobre Caso Frota x Eleonora Menicucci

FEMINISTAS CONTRA A CULTURA DO ESTUPRO

Do Agencia Patricia Galvao

CONSIDERANDO que a Constituição Federal traz como fundamento da República Federativa do Brasil a dignidade da pessoa humana, bem como os objetivos de construir uma sociedade livre, justa e solidária; e promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação (art. 1º c/c art. 3º, da CF);

CONSIDERANDO que a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra a Mulher (CEDAW), ratificada pelo Brasil em 1984, dispõe que os Estados signatários deverão tomar todas as medidas para “modificar os padrões socioculturais de conduta de homens e mulheres, com vista a alcançar a eliminação dos preconceitos e práticas consuetudinárias, e de qualquer outra índole, que estejam baseados na ideia de inferioridade ou superioridade de qualquer dos sexos ou em funções estereotipadas de homens e mulheres” (artigo 5º);

CONSIDERANDO que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher, conhecida como “Convenção de Belém do Pará”, ratificada pelo Brasil em 1995, determina que o direito de toda mulher ser livre de violência abrange, entre outros, o direito de a mulher ser “valorizada e ser educada livre de padrões estereotipados de comportamento e costumes sociais e culturais baseados em conceitos de inferioridade e subordinação” (artigo 6º, “b”);

CONSIDERANDO, ainda, que a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher determina que os Estados signatários devem “incentivar os meios de comunicação a que formulem diretrizes adequadas, de divulgação que contribuam para a erradicação da violência contra a mulher em todas as suas formas e enalteçam o respeito pela dignidade da mulher”;

CONSIDERANDO, nesse sentido, que o artigo 8º, inciso III, da Lei nº 11.340/06, conhecida como “Lei Maria da Penha”, estabelece “o respeito, nos meios de comunicação social, dos valores éticos e sociais da pessoa e da família, de forma a coibir os papéis estereotipados que legitimem ou exacerbem a violência doméstica e familiar, de acordo com o estabelecido no inciso III do art. 1º, no inciso IV do art. 3º e no inciso IV do art. 221 da Constituição Federal”;

CONSIDERANDO, outrossim, que o artigo 24 da Lei 12.288/10, conhecida como Estatuto de Igualdade Racial, assumindo a defesa da liberdade religiosa, incluindo as religiões de matrizes africanas, estabelece que o poder público adotará medidas para “coibir a utilização dos meios de comunicação social para a difusão de proposições, imagens ou abordagens que exponham pessoa ou grupo ao ódio ou ao desprezo por motivos fundados na religiosidade de matrizes africanas”;

VIEMOS A PÚBLICO:

Reafirmar nosso compromisso intransigente no combate a qualquer manifestação que reafirme padrões discriminatórios às mulheres e fomente a cultura do estupro, compreendida nos costumes, brincadeiras, piadas e tradições que transformam as mulheres em meros objetos do desejo masculino, que sistematicamente desvalorizam o consentimento da mulher nas relações sexuais e perpetuam o estigma de submissão das mulheres nos relacionamentos afetivos e sexuais.

Nesse sentido, a encenação e a história relatada por Alexandre Frota, no programa “Agora é tarde”, apresentado no dia 25/02/2015, são símbolos flagrantes dessa cultura de estupro. Nesse programa, Frota relatou, de forma jocosa, o episódio em que fez uma mãe de santo desmaiar ao forçá-la a manter relações sexuais sem o seu consentimento: “ela não falou nada, então pensei: vou comer” 1 (para assistir:https://www.youtube.com/watch?v=peQg34md27w – a partir do 10º minuto).

Frota tentou explicar que a narrativa não passava de uma “piada”. Ainda que fosse (a entrevista dá a entender que o episódio teria efetivamente ocorrido), “brincadeiras” não autorizam preconceitos, tampouco legitimam ações de extrema violência, como estupro. De tal modo, diversas militantes dos movimentos de mulheres se posicionaram contra o episódio relatado, entre elas, a ex-Ministra Eleonora Menicucci.

Em razão das manifestações contrárias, Alexandre Frota ingressou com ação judicial de indenização por danos morais contra Eleonora Menicucci (e contra outras militantes 2), sob a alegação de que sua imagem fora ofendida. No dia 6, deste mês, a ex-ministra participou de audiência de conciliação, na qual reafirmou seus princípios éticos 3.

Vale ressaltar que a conduta de Alexandre Frota é sistemática. Em vídeo recente (agosto de 2016), o ator faz uso de xingamentos homofóbicos, chamando o deputado Jean Wyllys de “viadinho” e “bicha louca” (disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=auREy4_OoGc – a partir do minuto 1:16).

Assim, manifestamos nosso apoio à Ex-ministra e à campanha “#todascomEleonora” (http://twibbon.com/support/todascomeleonora) 4, a fim de combater ações que reafirmam padrões discriminatórios em relação às mulheres e às religiões de matriz africana.

Condutas semelhantes à relatada acima simbolizam uma forma de perseguição às militantes, entidades e organizações que atuam na defesa das mulheres e visa restringir o debate democrático dos direitos humanos das mulheres garantidos nas normativas citadas.

Por fim, espera-se que o Poder Judiciário não legitime manifestações preconceituosas, racistas e misóginas, entendendo que a liberdade de expressão deve ser limitada quando o argumento utilizado justificar condutas discriminatórias, de modo que, ao contrário de penalizar – como pretende Frota – devem ser celebradas e prestigiadas as pessoas que levantam suas vozes contra este tipo de conduta.

Geledés Instituto da Mulher Negra

ASSINAM ESTA NOTA:

NÚCLEO ESPECIALIZADO DE PROMOÇÃO E DEFESA DO DIREITO DA MULHER DA DEFENSORIA PÚBLICA DO ESTADO DE SÃO PAULO
OBSERVATÓRIO DA MULHER
REDE MULHER E MÍDIA
REDE FEMINISTA DE JURISTAS – DEFEMDE
ONG ARTEMIS
REDE NACIONAL FEMINISTA DE SAÚDE, DIREITOS SEXUAIS E DIREITOS REPRODUTIVOS
ASSOCIAÇÃO CASA DA MULHER CATARINA
INSTITUTO DE DESENVOLVIMENTO E DIREITOS HUMANOS (IDDH)
CONSELHO FEDERAL DE PSICOLOGIA
SOF – SEMPREVIVA ORGANIZAÇÃO FEMINISTA
MARCHA MUNDIAL DAS MULHERES
REF – REDE ECONOMIA E FEMINISMO
ONG – CATÓLICAS PELO DIREITO DE DECIDIR
CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS)
COMITÊ LATINO-AMERICANO E DO CARIBE PARA A DEFESA DOS DIREITOS DA MULHER – CLADEM BRASIL
GELEDÉS INSTITUTO DA MULHER NEGRA
CEPIA – CIDADANIA, ESTUDO, PESQUISA, INFORMAÇÃO E AÇÃO
PROMOTORAS LEGAIS POPULARES DE SÃO PAULO
UNIÃO DE MULHERES DE SÃO PAULO
INSTITUTO PATRÍCIA GALVÃO
INTERVOZES – COLETIVO BRASIL DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

1 Disponível em: http://www.revistaforum.com.br/2015/03/02/em-rede-nacional-frotaconfessa-estupro-e-povo-aplaude/
2 Disponível em: http://www.cartacapital.com.br/blogs/intervozes/o-caso-alexandre-frota-eos-limites-a-liberdade-de-expressao-3143.html
3 Disponível em: http://www.redebrasilatual.com.br/cidadania/2016/09/ex-ministra-serecusa-a-fazer-acordo-com-alexandre-frota-3998.html
4 Disponível em: https://www.facebook.com/permalink.php?story_fbid=614041745424602&id=133857543443 027&__mref=message_bubble

Acesse o documento em pdf

+ sobre o tema

Exploração sexual de crianças e adolescentes só tem 20% dos casos denunciados

Denúncias de exploração sexual de crianças e adolescentes representam...

Terceirização tem ‘cara’: é preta e feminina

O trabalho precário afeta de modo desproporcional a população...

Internet impulsionou surgimento de um novo feminismo

Redes sociais ajudaram a divulgar campanhas que chegaram às...

Arquitetura dos direitos reprodutivos e ameaças ao aborto legal e seguro

Iniciamos esta reflexão homenageando a menina de 10 anos,...

para lembrar

Por que parar na questão de gênero? Vamos trocar a Constituição pela bíblia

Por conta da pressão da Frente Parlamentar Evangélica junto...

Programa Justiça Sem Muros do ITTC lança campanha sobre visibilidade ao encarceramento feminino

Inspirado na arte de Laura Guimarães, o programa Justiça Sem...

Homens que cuidam

João está deprimido. Fez uma consulta com um psiquiatra...

Estudantes do Rio combatem machismo e racismo com projeto transformador

Com o título Solta esse Black, alunas da Escola Municipal...
spot_imgspot_img

Robinho chega à penitenciária de Tremembé (SP) para cumprir pena de 9 anos de prisão por estupro

Robson de Souza, o Robinho, foi transferido para a Penitenciária 2 de Tremembé, no interior de São Paulo, na madrugada desta sexta-feira (22). O ex-jogador foi...

O atraso do atraso

A semana apenas começava, quando a boa-nova vinda do outro lado do Atlântico se espalhou. A França, em votação maiúscula no Parlamento (780 votos em...

Estupros em São Paulo aumentam 16,6% em novembro

O número de estupros, incluindo estupro de vulnerável, aumentou 16,6% no estado de São Paulo, passando de 1.088 casos em novembro do ano passado...
-+=