Os bastidores, a charlatanice e o escárnio da importação de médicos – Por: Fátima Oliveira

No Brasil, a medicina como profissão liberal foi extinta pelo assalariamento de “largas camadas de profissões intelectuais”; e a categoria médica se proletarizou em condições precaríssimas. Trocando em miúdos: há postos de trabalho, mas emprego – com direitos trabalhistas – é escasso, seja de “carteira assinada” por prestadores de serviços ao Sistema Único de Saúde (SUS) ou via concurso público. Como é impossível SUS sem médico, o alicerce do SUS é a precarização do trabalho médico. Até aqui carregamos o SUS em nosso lombo! “Eu conheço cada palmo desse chão”.

Por: Fátima Oliveira

Quem mais avilta o trabalho médico é o Estado, nas três esferas de governo: municipal, estadual e federal – o governo federal mantém poucos serviços de saúde (nem é seu papel!), mas, contando com hospitais universitários federais, o volume de postos de trabalho médico em regime de RPA (Recibo de Pagamento de Autônomo) é expressivo, e, sem ele, tais serviços se inviabilizam, literalmente. Daí o aperreio para criar a Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, cuja maior finalidade, ao bem da verdade, é sanar, sem concurso (ai, meus sais!), as irregularidades advindas do regime de RPA!

Se todos os que trabalham em hospitais universitários federais “com RPA” entrassem na Justiça requerendo seus direitos trabalhistas, instalariam o caos no país: todos fechariam. Não sobraria um! Vale para hospitais e UPAs, estaduais e municipais, pois quase 100% abusam de contratação precária.

Em tal contexto, sem resolver pendências arriscadas, o governo Dilma anunciou a importação de 6.000 médicos, sob argumentos que beiram a charlatanice política, colocando a população contra a categoria médica nacional, ao dizer que é para suprir a falta de médicos nos cinturões e nos grotões de pobreza: periferias metropolitanas e pequenas cidades, onde brasileiros não querem trabalhar. Ora, me compre um bode! A “interiorização do trabalho médico” requer atrativos concretos, para além do médico, do estetoscópio e do “aparelho de pressão”, e não trabalho precário temporário, sob os humores do mandatário de plantão: não rezou pela cartilha do prefeito, está no olho da rua!

Não é uma postura patriota oferecer a médicos estrangeiros o que nunca acenaram para brasileiros: empregos reais, aos montes. E o pior, “modernizando” trabalho escravo: supressão do direito de ir e vir! Nada contra médico de qualquer nacionalidade vir trabalhar no Brasil, desde que em igualdade de condições dos aqui formados, o que exige “passar” na revalidação de diploma.

É fato: o Estado brasileiro sabe, permite e pratica a exploração. As entidades médicas foram omissas na garantia de dignidade trabalhista no estabelecimento do SUS. No popular: as entidades médicas e nós, profissionais da medicina, pouco nos lixamos para a precarização do nosso trabalho: não nos empenhamos por uma carreira de Estado para médico, hoje necessidade imperiosa para a equidade na distribuição de médicos no país.

E por que não o fizemos? Falta de visão política; incompreensão da inexorável proletarização da categoria médica; e muito pelo embotamento da empáfia e do fetiche da cultura da medicina profissão liberal, numa conjuntura que a abolia e em que o trabalho médico virou mercadoria, vendida de modo aviltante. Vou pular, pois a lista de culpabilidade involuntária e inconsciente é enorme…

Agora que despertamos, é cair no bredo por uma carreira de Estado para médico até a vitória. Nem mais, nem menos. Nós, cidadãos como todo o povo, não podemos esperar cair do céu.

 

Fonte: O Tempo

+ sobre o tema

Filme mostra grupo de mulheres negras que ajudou a NASA a vencer a Corrida Espacial

Com direção de Theodore Melfi (Um Santo Vizinho), "Hidden...

“Mas com esse cabelo?”

No Brasil, como em grande parte dos países sob...

Bispo Edir Macedo: “Dilma é vítima de mentiras espalhadas na internet”

Por José Orenstein   SÃO PAULO – O...

Carnaval Politicamente correto

O rei momo, de turbante e com as chaves...

para lembrar

Caso Ágatha reabre debate sobre endurecimento de leis anticrime no Brasil

Garota de oito anos morreu após ser atingida nas...

Governo suspende novas vagas do Pronatec, ProUni e Fies

Brasília - Uma das vitrines da área social da...

Ferramenta anticolonial poderosa: os 30 anos de interseccionalidade

Carla Akotirene, autora de Interseccionalidade, pela Coleção Feminismos Plurais,...

Dilma Lá: breve história de uma candidatura

Dilma vem de uma imensa legião de brasileiros...

A mulher negra no mercado de trabalho

O universo do trabalho vem sofrendo significativas mudanças no que tange a sua organização, estrutura produtiva e relações hierárquicas. Essa transição está sob forte...

Peres Jepchirchir quebra recorde mundial de maratona

A queniana Peres Jepchirchir quebrou, neste domingo, o recorde mundial feminino da maratona ao vencer a prova em Londres com o tempo de 2h16m16s....

O futuro de Brasília: ministra Vera Lúcia luta por uma capital mais inclusiva

Segunda mulher negra a ser empossada como ministra na história do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), a advogada Vera Lúcia Santana Araújo, 64 anos, é...
-+=